Que o alegado fim da História estava longe de acontecer já nós tínhamos percebido, e aliás o próprio autor da invenção já entretanto veio dizer que não senhores, que era engano, que afinal a História estava a continuar. O que não era evidente era que a História iria prosseguir por caminhos impossíveis ou, pelo menos, que pareceriam impossíveis à luz de quanto nos têm vindo a contar ou do que pareceria ser a elementar plausibilidade.

O último exemplo no momento em que escrevo é o caso da «posse» do chefe do governo do Tibete no exílio, exemplo pequenino mas nem por isso menos impossível. O homem não nasceu no Tibete nem alguma vez lá pôs os pés: nasceu no Nordeste da Índia, foi cedinho para os Estados Unidos, lá cresceu, lá tem vivido, lá estudou, lá se formou numa universidade.

E agora a televisão mostrou-o a receber do Dalai Lama um objecto que deverá ser uma espécie de ceptro, símbolo de um poder que afinal ele não tem nem parece possível que alguma vez venha a ter. Foi uma das breves reportagens em que a televisão abunda, foram imagens e sons de um acontecimento aparentemente impossível por absurdo.

Mas acontecimento menor, é certo, apenas integrado no processo de fabricação nos Estados Unidos de líderes políticos destinados a serem um dia exportados para distantes zonas do planeta e aí derramarem-se em gratíssimas obediências às ordens do Departamento de Estado.

É um método que deu resultados que estão bem à vista no Iraque e no Afeganistão, mas pelos vistos Washington dispõe-se a persistir nele. Mas acontecimentos de outra e muito maior dimensão, que se diria igualmente impossíveis, trouxe-nos a televisão nestes últimos dias, e serão decerto esses que mais importa registar.

Uma manifestação «impossível»

O mais retumbante de todos eles é o tornado que ameaça devastar os Estados Unidos. É, como se sabe, impossível: ninguém (isto é, essa enorme massa de gente que por todo o planeta construiu o seu entendimento do mundo e do nosso tempo a partir das quotidianas informações que os media prestavam) podia alguma vez supor que os Estados Unidos estariam um dia ameaçados de não poderem pagar o que devem.

Aliás, até há pouco tempo só talvez raros saberiam que o ratio da dívida dos Estados Unidos perante o seu PIB é superior ao de Portugal, ou da Grécia, ou da Espanha, ou da Itália. De facto, eventualidade de incumprimento norte-americano, dimensões gigantescas dos seus défices e da sua dívida, eram completamente impossíveis. E, contudo, vem agora a televisão dizer-nos que elas aí estão. A ensinar-nos que o impossível afinal acontece ou que, afinal, há muita coisa que não é tão impossível quanto parecia.

Passemos, porém a um outro caso de dimensão menor, é certo, mas capaz de ser de enorme significado. No passado sábado, cidadão que ligasse o televisor e sintonizasse o Euronews (por exemplo, pois outros canais, eventualmente também portugueses, terão dado a notícia no mesmo dia e com o mesmo relevo) depararia com imagens de grandes manifestações populares contra o governo.

Dito assim, pareceria tratar-se de mais um caso integrável numa rotina que alastra por toda a parte. Acontece, porém, que aquelas manifestações tinham acontecido em Israel. E que os manifestantes protestavam contra o aumento do custo de vida, contra o muito elevado preço dos arrendamentos para habitação e, pasme-se!, contra as privatizações desencadeadas pelo governo.

Isto é: aquela grande manifestação, já de si talvez julgada impossível num Estado cuja prática racista e de direita é supostamente apoiada pela generalidade da população, recusava práticas governamentais típicas do neoliberalismo impante no Ocidente euroatlântico de que Israel é uma fundamental testa-de-ponte encravada no Médio Oriente.

Em verdade vos digo que de todos os impossíveis recentemente acontecidos este não me parece ser o menos relevante: significa que as opções políticas insanas e inescrupulosas de que são exemplo as que estão a ser implementadas no nosso País estão a ser cada vez mais rejeitadas pelos povos.

Que é muito capaz de ser verdade não só que o capitalismo neoliberal não é o fim da História mas também que sobre os seus escombros uma outra sociedade diferente poderá ser construída. Alguns chamam-lhe Socialismo, outros dizem que o Socialismo nunca será possível e talvez até lhe prefiram a barbárie. Mas, a julgar pelos sinais aqui referidos e outros mais, talvez o tempo dos impossíveis tenha começado a acontecer.

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Fonte: jornal Avante!