Estava fardado. Fiquei assustado. Naquele tempo, os militares eram os donos do poder e era preciso ter muito cuidado com o que a gente falava ou escrevia. Quando soube de minha identidade, foi logo dogmatizando: “Espero que o senhor não seja um padre comunista. Hoje, quase todos são”. (Cuidado, Padre Prata) Respondi com calma: “Eu não sou, fique tranquilo. Simplesmente prego o Evangelho”. O coronel retrucou rápido com uma lógica sem pé nem cabeça: “Pode ser que o senhor seja comunista e não saiba que é. Os comunistas se infiltraram de tal maneira na Igreja que os padres pregam o comunismo pensando que é cristianismo”.

Antes que o clima azedasse, decidi me despedir. Faço esta introdução para que tenham uma vaga ideia no que aconteceu com Irmã Maurina. Era uma freirazinha que, ainda jovem, cuidava de um educandário de crianças pobres. Muito ingênua, alugou uma sala para um grupo de jovens. Eram militantes de esquerda e ela não sabia. Descoberto pelos militares, todo o grupo foi preso e, como responsável pela sala, a Irmã Maurina que não tinha nada com o peixe.

Irmã Maurina era irmã de dois sacerdotes, Vicente e Manuel. Tinha ainda uma irmã que também era freira, irmã Maria. O que Irmã Maurina passou na prisão foi coisa própria de trogloditas. Sofreu os piores tipos de tortura: pau-de-arara, choque nos genitais, afogamento e, ainda por cima, queriam que confessasse que era amante de um líder comunista. As torturas eram diárias. Dois bispos reagiram, acusaram os fatos aos juízes. Dom Evaristo fez o que pôde, mas o poder estava em outras mãos. Cruéis.

Quando o cônsul japonês foi sequestrado, os militantes esquerdistas, em troca da autoridade nipônica, exigiram a retirada das prisões de um grupo ligado à luta revolucionária. Entre eles, foi incluído o nome de Irmã Maurina. Foram exilados para o México, onde a religiosa viveu muitos anos longe dos seus. De volta ao Brasil, continuou seu trabalho junto às crianças pobres.

Irmã Maurina morreu há duas semanas. Na oração. No silêncio. Na paz. Enquanto teve vida e saúde, continuou seu trabalho em outra cidade, numa creche das irmãs franciscanas.

Jamais se manifestou sobre o que se passou com ela. Não permitiu que se tirasse dela uma fotografia sequer. Não concedeu nenhuma entrevista, não acusou ninguém. Apenas uma frase deixou aos seus amigos: “Minha prisão foi apenas a parte que me coube na História”.

A escritora Maria Clara Birminger escreveu sobre ela: “No momento em que as mulheres estão em alta no Brasil, vivendo a novidade de sua primeira presidente mulher, uma figura como a de Madre Maurina é digna de ser olhada com respeito e admiração. Sua coragem e fé inabalável diante das torturas, da prisão, do exílio, varrem para bem longe o estigma de ‘sexo frágil’ que pesa sobre a mulher em tom depreciativo. A inocência e a fragilidade de Maurina foram transfiguradas em força pela graça D’Aquele a quem entregou sua vida. Agora, ressuscitada, ela o contempla sem véus, sem parcialidades. Que interceda por nós, a fim de que possamos fazer um Brasil melhor para nossos filhos e netos”.

_________

Fonte: JM Online