O jornal Le Monde (15/12/2010) titula: "O euro vai matar a Europa?". Subtítulos: "Quem estaria pronto a renunciar à moeda única? Quais são os cenários do seu desaparecimento? Quais seriam os efeitos de um rebentamento? Ele cita The Economist, ícone do pensamento único ultraliberal, o qual afirma que "Desmantelar o euro não é impensável, apenas muito custoso". É o inverso! É o euro que é custoso! Para as classes populares e médias! Pois diz-se que é para "salvá-lo" que foi decretada a austeridade em toda a Europa!

Le Monde explica que a saída da Grécia e da Irlanda do euro e o retorno às suas moedas nacionais permitiria desvalorizá-las. Estes países poderiam assim desenvolver suas exportações, relançar sua actividade económica e reduzir seus défices públicos. Le Monde acrescenta entretanto que "esta estratégia comporta graves perigos".

O primeiro seria um "pânico bancário", os depositantes gregos e irlandeses retirariam seus euros dos bancos. Mas o que fariam? Pô-los sob o colchão? Numa máquina de lavar roupa? Num banco estrangeiro? Sejamos sérios! Um país que sair do euro deverá tornar a sua moeda não convertível com as outras, inclusive o euro, e restaurar o controle dos câmbios. Aqueles que tiverem retirado seus euros deverão obrigatoriamente convertê-los em dracmas, libras irlandesas, francos franceses, etc, após autorização, se quiserem continuar a exercer uma actividade no seu país de origem…

Le Monde imagina um segundo risco: o "esmagamento das famílias, das empresas e dos Estados grego e irlandês" sob o peso dos seus créditos denominados em euros. Não! O retorno às moedas nacionais será feito nas mesmas condições da passagem destas últimas para o euro, mas em sentido inverso. Aqueles que tinham créditos ou títulos (acções, obrigações…) denominados em libras irlandesas, em dracmas, em francos franceses, etc viram estes créditos e títulos muito simplesmente convertidos em euros. Por um simples lançamento contabilístico e numa única noite!

Terceiro risco que Le Monde destaca: os bancos europeus "possuindo obrigações gregas ou irlandesas registariam perdas pesadas". Sim, isso é verdadeiro! Mas digamos claramente: tanto melhor se os bancos que especularam sobre a dívida dos Estados da zona euro tiverem "perdas pesadas". O preço das suas acções baixará, este será o momento para os Estados comprarem-nos (nacionalizá-los). Os accionistas dos bancos centrais dos países afectados (não o Banco Central Europeu!) darão os fundos ao Estado, por criação monetária, como o faz o Banco Central americano.

Le Monde vê um quarto risco: "um país que sai do euro arrisca-se a perder enormemente em credibilidade em relação a investidores". O infeliz jornalistas não compreendeu que é preciso por um fim ao financiamento dos Estados pelos mercados financeiros. Como fazer? Fechando o mercado obrigacionista! Os Estados não mais se financiarão no mercado obrigacionista, mas sim de três maneiras simultâneas: recorrendo à sua poupança nacional; impondo quotas de compras de títulos do Estado aos bancos e companhias de seguros; vendendo títulos do Estado ao banco central de cada país considerado, sem juros a reembolsar. O mercado secundário das obrigações será também fechado: as famílias ou os bancos que quiserem revender suas obrigações antes do termo poderão fazê-lo, em certas condições, mas só ao Estado. A especulação será assim total e definitivamente erradicada.

Cessada a necessidade de "tranquilizar" os mercados financeiros pela baixa dos salários, das pensões e da protecção social em geral, não haverá mais mercado financeiro obrigacionista em euros! Adeus, agências de classificação, não haverá mais nada para classificar! Bye-bye para os traders e seus bónus, não haverá mais nada para comerciar! Adeus CDS (Credit Default Swaps), estes produtos financeiros hiper-refinados que servem para especular com a falência dos Estados!

Le Monde citava Nicolas Sarkozy (19 e 20 de Dezembro): "Quem pode pensar que a França, só no mundo de hoje, ficaria mais forte?" Vamos devolver-lhe a pergunta: quem pode acreditar que a França "ficaria mais forte" no quadro da mundialização neoliberal? Quem pode acreditar que um mundo novo, muito simplesmente humano, acontecerá pela actuação dos pilares da ordem neoliberal mundial que são a NATO, o FMI, o Banco Mundial, a OMC, a OCDE e a União Europeia? É saindo destas instituições, guardiãs do "mundo de hoje" no qual Sarkozy nos quer encerrar – e não desejando ilusoriamente transformá-las a partir do interior – que poderemos ir em frente. É preciso agir para a construção de um novo internacionalismo. A França, pela sua história, deve nele desempenhar um grande papel.

Em 21 de Dezembro, Le Figaro acrescentava num enorme título na primeira página: "O que custaria à França um abandono do euro". Subtítulo: "Este cenário qualificado de "irresponsável" por Nicolas Sarkozy seria catastrófico para o país". Diabo! Para o jornal oficial da direita, a saída do euro teria como "resultado inelutável um alinhamento por baixo dos rendimentos e do poder de compra…" Incrível! Eis que a direita defende o poder de compra! Mas o alinhamento por baixo dos salários, hoje, é com o euro! Precisamente por esta razão o euro foi inventado pelas classes dirigentes europeias.

Um dos pressupostos "teóricos" que conduziram à criação do euro e à sua gestão por um banco central europeu "independente" encontra-se no artigo 120 do Tratado de Lisboa: "Os Estados membros e a União agem no respeito do princípio de uma economia de mercado aberto em que a concorrência é livre, favorecendo uma alocação eficaz dos recursos…" A expressão "alocação eficaz dos recursos" retoma palavra a palavra a falsa teoria ultraliberal da "eficiência dos mercados financeiros". Segundo ela, é urgente desenvolver os mercados financeiros e fazê-los funcionar sem "entraves", com o mínimo de regulamentação. A razão? Eles seriam (ao contrário do Estado) o único mecanismo de "alocação" eficaz do capital. Dito de outro modo, eles seriam capazes de distinguir os "bons" projectos a financiar evitando os desperdícios de recursos financeiros. Todas as políticas conduzidas pela União Europeia repousam sobre este mito. Eis porque a "liberalização" dos mercados de capitais foi organizada no interior da UE, por directivas, a fim de construir um mercado financeiro integrado mundialmente. Ao mesmo tempo, era preciso que o euro concorresse com o dólar. A "construção" europeia foi portanto subordinada a este objectivo: "atrair para os mercados financeiros europeus os capitais livres que procuravam à escala planetária uma rentabilidade máxima a muito curto prazo. É este objectivo que explica a busca sistemática de uma política de taxas de câmbio elevadas, apoiada sobre taxas de juro superiores às dos Estados Unidos. O euro era o vector que permitia a livre circulação dos capitais: ele não é um "escudo" anti-especulação, ele atrai a especulação!

Os oligarcas europeus portanto fizeram dos mercados obrigacionistas (principalmente o da dívida dos Estados) os "supervisores" das políticas públicas. O raciocínio é simples: os mercados financeiros (sobretudo o mercado obrigacionista) não gostam dos países muito endividados pois estas dívidas podem levá-los a não mais poderem ou quererem reembolsá-los. Para continuar a compra a dívida dos Estados, os investidores (especuladores) vão portanto exigir taxas de juro mais elevadas a fim de remunerar o seu risco. Consequência: se os Estados querem tomar emprestado a taxas de juro razoáveis, deverão reduzir a sua dívida (reduzindo as despesas públicas, principalmente as despesas sociais). A melhor "disciplina" para controlar as despesas públicas (sociais) é portanto o "mercado", com a condição de que seja totalmente desregulamentado, que nenhuma intervenção externa – em particular dos Estados – venha perturbar o seu "equilíbrio espontâneo". Portanto, para compensar o encarecimento dos produtos fabricados na zona euro face aos seus concorrentes da zona dólar e dos países emergentes (devido ao euro "forte"), as empresas da zona euro foram voluntariamente levadas a exercer uma pressão sempre crescente sobre os custos salariais e sobre o emprego. As deslocalizações não têm outra explicação. Um governo de esquerda não poderá efectuar uma política plenamente de esquerda se a política monetária permanecer de direita. Sair do euro de maneira unilateral é a condição absolutamente necessária, indispensável, urgente para poder efectuar uma verdadeira política de esquerda. Mas esta condição não é suficiente. É preciso em cada país, conforme os ritmos das mobilizações populares e das eleições, um verdadeiro programa de esquerda e agir para uma moeda que já não seja única, mas comum.

As sondagens mostram uma ascensão do descontentamento popular em relação ao euro. Entre 29% e 39% dos franceses interrogados, conforme as sondagens, querem deixar o euro. Entre 42% e 50% dos operários, entre 38% e 48% dos empregados estão no mesmo caso. Em Junho de 2010, uma sondagem realizada na Europa por um instituto americano mostrava a resposta "não" à pergunta: "O euro é uma coisa boa para a economia?": França (67%), Portugal (60%), Espanha (56%), Alemanha (55%), Itália (53%)…

São os meios populares – operários, empregados, pouco ou não diplomados – os mais numerosos na contestação ao euro ou no desejo de sair. Este é o eleitorado tradicional da esquerda! Atenção: que a esquerda não descole do seu eleitorado e ofereça assim uma avenida para as forças de extrema-direita, nacionalistas e xenófobas colmatarem este espaço!

Sair do euro é sair da ordem monetária neoliberal. É a sequência lógica dos combates de 1992 contra a criação do euro e de 2005 contra o projecto de constituição europeia. É um projecto de esquerda!

25/Março/2003

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Porta-voz do Mouvement politique d'éducation populaire (M'PEP), ex-presidente do Attac, ex-adido financeiro em Nova York. Próxima obra a publicar "Sortons de l'euro, vite!", Ed. Mille-et-une-nuits.

O original encontra-se em

http://www.legrandsoir.info/Un-spectre-hante-l-Europe-la-sortie-de-l-euro.html

Este artigo encontra-se em

http://resistir.info/ .