O deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) é acusado de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, corrupção e evasão fiscal. A Justiça tem indícios de que ele movimentou ilegalmente mais de US$ 400 milhões no exterior. No ano passado, seu nome foi incluído, por solicitação dos EUA, na lista de procurados pela Interpol.

Eleito em outubro, Maluf se livrou de ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), já que o Tribunal de Justiça de São Paulo revertera uma condenação anterior por irregularidades na compra de frangos pela Prefeitura de São Paulo no ano de 1996.

Dois ex-governadores do Amapá, Waldez Góes e Pedro Paulo Dias, foram presos e indiciados na Operação Mãos Limpas da Polícia Federal por suspeita de participação numa organização criminosa que desviava recursos da União.

Esses recursos eram repassados à Secretaria de Educação do Amapá, provenientes do Fundeb e do Fundef. Segundo a PF e a Receita Federal, o esquema desviou recursos superiores a R$ 300 milhões.

Góes e Pedro Paulo não conseguiram se eleger ao Senado e ao governo do Estado, respectivamente, mas até agora podem ser considerados políticos de "ficha limpa".

Já eu e a deputada Janete Capiberibe fomos cassados em 2004 sob a acusação de termos comprado dois votos por R$ 26, em duas prestações (!!). Em 2010, nos candidatamos novamente e os registros foram aceitos pelo TRE do Amapá, mas cassados pelo TSE, que nos enquadrou na Lei da Ficha Limpa.

Eleitos -Janete com 28.147 votos, a deputada mais votada do Estado-, fomos impedidos de ser diplomados. O crime de que nos acusam foi uma armação perpetrada pelo PMDB dos senadores Gilvam Borges e José Sarney.

Isso ficou evidenciado pela denúncia de um comparsa de Borges, o cinegrafista Roberval Coimbra Araújo, que depois sofreria tentativa de assassinato. Mesmo que fôssemos culpados (e não o somos), a decisão do TSE nos deixa na insólita situação de pagar duas vezes pelo mesmo crime -o que representa subversão completa dos preceitos do Estado democrático de Direito.

No Brasil, a morosidade da Justiça tem obrigado os legisladores a criar novas leis para garantir um mínimo de transparência nos processos eleitorais. Foi o caso da Lei da Ficha Limpa, que nasceu de um justo clamor popular.

O projeto foi aprovado pelo Legislativo e sancionado pelo presidente da República no ano passado. Mas houve polêmica sobre a aplicabilidade da lei já nas eleições de 2010 e o caso está parado no Supremo Tribunal Federal. Uma vez que houve empate (5 x 5), a questão só será resolvida depois da nomeação de um novo ministro.

Mas seria o caso de perguntar: se políticos acusados de corrupção e de outros crimes já tivessem sido julgados em última instância, haveria necessidade de uma lei como essa? Não seria mais fácil agilizar a Justiça? Em muitas democracias, o descrédito do Executivo e do Legislativo provocou a migração do centro de gravidade do poder para o Judiciário -o que estudiosos denominam "judicialização da política".

Essa concentração de poder nas mãos de magistrados não eleitos ameaça o equilíbrio dos três Poderes e, mais grave ainda, esvazia e neutraliza o princípio da soberania popular, que constitui a pedra de toque de toda democracia.

O fato é que, se não enfrentarmos o desafio da "judicialização da política", corremos o risco de ver a soberania popular desfigurada e sacrificada no altar do formalismo.

Senador eleito pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro) no Amapá, Estado do qual foi governador de 1995 a 2002.

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Fonte: Folha de S. Paulo