São válidos, mesmo que contraditórios, os recentes debates sobre o lugar da cultura hoje.

Cabe ao Ministério da Cultura a função de operar políticas públicas enraizadas e promissoras, tornando-se inadiável formular, ver e rever o seu percurso, selecionar questões pertinentes, absorver formas de criação e compreensão. Talvez deva mesmo situar a sua política cultural no contraponto de ação-reflexiva e reflexão-ativa.

O modelo predominante vinculava claramente estabilidade econômica e desenvolvimento. Mas o desenvolvimento já não é uma empresa de alguns, e sim um empreendimento de todos. Por isso mesmo deixou de ser operação contábil para se transformar no esforço radical de qualificação.

É preciso elaborar indicadores qualificativos, capazes de reequilibrar ou até de civilizar a voracidade dos indicadores quantitativos. A cultura perde a sua força vital toda vez que adota a economia como padrão ou referência compulsiva.

Não podemos ignorar que herdamos um pesado deficit cultural que vem de longe. A reversão desse quadro clínico desfavorável deve ser rigorosamente priorizada, o que exige a inclusão da cultura como trabalho social avançado.

É preciso incluir a fatura cultural no empenho de reprocessamento da fratura social. É verdade que o Estado não produz cultura (graças a Deus!), mas pode ter função democratizadora no estímulo, na distribuição e no consumo.

Ao Estado, consciente de ser um mediador social, igualmente voltado para a prestação de serviços públicos, cumpre: contribuir ativamente para a desobstrução dos canais de transmissão existentes e apoiar outros novos meios; formar novas plateias, implantando e ampliando auditórios formais e informais; vitaminar a procriação cultural, mediante a seleção criteriosa de projetos instauradores; e estabelecer um novo repertório de endereços e núcleos culturais.

Sobretudo, cumpre repensar a mídia eletrônica despreconceituosamente, longe dos conceitos patrimonialistas dos integristas e dos preconceitos intelectualistas das academias engessadas. Patrimônio cultural, sim; fundamentalismo, não. Indústria cultural, por que não? Sem o esvaziamento contundente da complexidade.

Tudo isso passa pelo livro, pela leitura em campo aberto, pelas bibliotecas, pelas salas de cinema e de teatro, pelo vídeo, pelos cultos diversos, pela cultura do videoclipe, pelas lonas do circo, pelas quadras e pelos terreiros, pelos estádios esportivos e assim por diante.

Passa antes pela compreensão de que cultura é coisa séria. Para começo de conversa, cultura deve ser política de Estado, mas de Estado socialmente enraizado.

Vale lembrar algumas recomendações, talvez redundantes: reforçar o orçamento do MinC; ampliar as iniciativas interministeriais; descentralizar mais as ações do ministério; reoxigenar os fundos de cultura; trabalhar as emendas parlamentares para ganhar mais musculatura financeira, longe do clientelismo e da propaganda enganosa; reforçar a compreensão federativa.

Isso sem esquecer de que fins e meios devem ser calibrados cuidadosamente. À cultura cabe alistar-se na frente comum do hoje e do amanhã, como parte integrante do processo, e ajudar a devolver a confiança no país. Ela dispõe de condições potenciais.

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Escritor e professor titular emérito da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Fonte: Folha de S. Paulo