Portugal é um pequeno barco num mar agitado. Exigem-se bons timoneiros mas se o mar for excessivamente agitado não há barco que resista, mesmo num país que séculos atrás andou à descoberta do mundo em cascas de noz. A diferença entre então e agora é que o Adamastor era um capricho da natureza, depois da borrasca era certa a bonança e só isso tornava “realista” o grito de confiança nacionalista, do “Aqui ao leme sou
mais que eu…”.

Hoje, o Adamastor é um sistema financeiro global, controlado por um punhado de grandes investidores institucionais e instituições satélites (Banco Mundial, FMI, agências de avaliação de risco) que têm o poder de distribuir as borrascas e as bonanças a seu bel-prazer, ou seja, borrascas para a grande maioria da população do mundo, bonanças para eles próprios. Só isso explica que os 500 indivíduos mais ricos do mundo tenham uma riqueza igual à da dos 40 países mais pobres do mundo, com uma população de 416 milhões de habitantes. Depois de décadas de “ajuda ao desenvolvimento” por parte do BM e do FMI, um sexto da população mundial vive com menos de 77 cêntimos por dia.

O que vai acontecer a Portugal (no seguimento do que aconteceu à Grécia e à Irlanda e irá acontecer à Espanha, e talvez não fique por aí) aconteceu já a muitos países em desenvolvimento. Alguns resistiram às “ajudas” devido à força de líderes políticos nacionalistas (caso da Índia), outros rebelaram-se pressionados pelos protestos sociais (Argentina) e forçaram a reestruturação da dívida. Sendo diversas as causas dos problemas enfrentados pelos diferentes países, a intervenção do FMI teve sempre o mesmo objetivo: canalizar o máximo possível do rendimento do país para o pagamento da dívida. No nosso contexto, o que chamamos “nervosismo dos mercados” é um conjunto de especuladores financeiros, alguns com fortes ligações a bancos europeus, dominados pela vertigem de ganhar rios de dinheiro apostando na bancarrota do nosso país e ganhando tanto mais quanto mais provável for esse desfecho.

E se Portugal não puder pagar? Bem, isso é um problema de médio prazo (pode ser semanas ou meses). Depois se verá, mas uma coisa é certa: “as justas expectativas dos credores não podem ser defraudadas”. Longe de poder ser acalmado, este “nervosismo” é alimentado pelas agências de notação: baixam a nota do país para forçar o Governo a tomar certas medidas restritivas (sempre contra o bem-estar das populações); as medidas são tomadas, mas como tornam mais difícil a recuperação econômica do país (que permitiria pagar a dívida), a nota volta a baixar. E assim sucessivamente até a “solução da crise”, que pode bem ser a eclosão da mais grave crise social dos últimos oitenta anos.

Qualquer cidadão com as naturais luzes da vida, perguntará, como é
possível tanta irracionalidade? Viveremos em democracia? As várias
declarações da ONU sobre os direitos humanos são letra morta? Teremos
cometidos erros tão graves que a expiação não se contenta com os anéis e
exige os dedos, se não mesmo as mãos? Ninguém tem uma resposta clara
para estas questões mas um reputado economista (Prêmio Nobel da
Economia em 2001), que conhece bem o anunciado visitante, FMI,
escreveu a respeito deste o seguinte:

“as medidas impostas pelo FMI falharam mais vezes do que as em que tiveram êxito…Depois da crise asiática de 1997, as políticas do FMI agravaram as crises na Indonésia e na Tailândia. Em muitos países, levaram à fome e à confrontação social; e mesmo quando os resultados não foram tão sombrios e conseguiram promover algum crescimento depois de algum tempo, frequentemente os benefícios foram desproporcionadamente para os de cima, deixando os de baixo mais pobres que antes. O que me espantou foi que estas políticas não fossem questionadas por quem tomava as decisões…Subjacente aos problemas do FMI e de outras instituições económicas internacionais é o problema de governação: quem decide o que fazem?”
(Joseph Stiglitz, Globalization and its Discontents, 2002)

Haverá alternativa? Deixo este tema para a próxima crônica.

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Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

Fonte: Carta Maior