Comecemos pelos dicionários, onde se lê que paulista é o natural ou habitante de São Paulo, caso de quatro ex-presidentes da República posteriores a Rodrigues Alves, como se verá adiante.

Não é preciso ter diploma de ciências políticas para saber que os dois últimos presidentes, que ficaram 16 anos contínuos no poder, foram políticos paulistas, embora o primeiro, FHC, tenha incidentalmente nascido no Rio (o pai era militar), e o segundo, Lula, seja um migrante pernambucano que fez toda a sua carreira sindical e política em São Paulo.

A historinha endossada pelos dois jornais dá a ideia de que os paulistas estão fora do poder desde quase o início do século passado, o que é uma grande cascata, como se diz no jargão jornalístico.

Paulistas na Primeira República

Na primeira República, os três primeiros presidentes eleitos, depois dos governos provisórios dos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, foram os paulistas Prudente de Morais, Campos Sales e Rodrigues Alves. São Paulo já era a grande força econômica do país, graças ao café, e tinha enorme influência política. Em 1918, Rodrigues Alves foi eleito novamente. Vítima da gripe espanhola, morreu sem tomar posse.

O último presidente da Primeira República, Washington Luís (1926-1930), era chamado o "paulista de Macaé", cidade onde nasceu. Ele se formou na Faculdade de Direito de São Paulo e começou em Batatais, interior paulista, a carreira política que o levaria à prefeitura da capital e ao governo do estado. Seu sucessor eleito ‒ cuja posse foi impedida pela Revolução de 1930 ‒, Júlio Prestes, era paulista.

Em capítulo da História Geral da Civilização Brasileira, Eli Diniz escreve, a respeito desse período, que na fase anterior a 1930 "o setor hegemônico do complexo agroexportador, a burguesia cafeeira paulista, tendia a ser o núcleo em torno do qual as alianças gravitavam".

Elite industrial se aproximou de Vargas

Como se sabe, a partir de 1930 o gaúcho Getúlio Vargas governou o Brasil durante 15 anos, primeiro como chefe do governo provisório, depois como presidente eleito indiretamente e, entre 1937 e 1945, como ditador. Em 1932, com apoio de setores importantes da elite paulista, representados por uma aliança entre o Partido Democrático de São Paulo (PD) e o Partido Republicano Paulista, militares antitenentistas chefiaram a revolta conhecida como Revolução Constitucionalista.

A derrota desse movimento pelas tropas governistas foi um doloroso e duradouro golpe sofrido por forças políticas paulistas, mas isso não impediu que, ao longo do governo Vargas, mesmo depois da decretação da ditadura do Estado Novo, houvesse uma aproximação com o governo, como descreve, na obra citada, a mesma autora:

"Principalmente a partir de 1933, derrotada a Revolução Constitucionalista de 1932, a burguesia industrial, através de alguns de seus líderes mais expressivos, realizaria um esforço no sentido de assegurar sua participação e influência na formulação da política econômica governamental, verificando-se uma articulação desta elite com os novos grupos detentores do poder."

Na redemocratização de 1945, a primeira eleição presidencial não foi protagonizada por políticos, mas por militares – o general Eurico Gaspar Dutra, eleito, e o brigadeiro Eduardo Gomes.

Getúlio só voltou com apoio de Ademar

Em 1950, o peso político de São Paulo voltou a se fazer sentir expressamente: Getúlio só decidiu ser candidato quando obteve o apoio do governador do estado, Ademar de Barros, que indicou o vice-presidente, Café Filho.

Juscelino Kubitschek elegeu-se em 1955 derrotando um militar, Juarez Távora, e dois políticos paulistas, Ademar de Barros e Plínio Salgado. Dos "cinquenta anos em cinco" que constituíram seu programa, pode-se dizer que uma parte decisiva foi representada pelo salto industrial que seu governo favoreceu em São Paulo.

Seu sucessor, em 1960, foi o mato-grossense Jânio Quadros (hoje seria mato-grossense-do-sul, pois ele nasceu em Campo Grande). Tendo começado a frequentar a escola no Paraná, aos 16 anos transferiu-se para Lorena, no interior paulista, e depois para a capital. Jânio, como Washington Luís, fez carreira política em São Paulo, passando pela prefeitura da capital e pelo governo do estado.

Jânio renunciou, João Goulart assumiu, houve o golpe militar de 1964.

O critério de escolha dos generais-presidentes passou ao largo de qualquer atuação política em sentido estrito, nada importando o lugar onde nasceram (um cearense, três gaúchos e um carioca, sem contar a Junta Militar de 1969).

Quércia, Ulysses, Lula, Covas, Maluf, Afif

A principal derrota do regime militar em 1974 foi a eleição para o Senado, por São Paulo, de Orestes Quércia. O "anticandidato" do PMDB contra a ditadura naquele ano foi outro político paulista, Ulysses Guimarães, que teria grande influência no governo civil entre 1985 e 1989. Ele foi presidente do PMDB, da Câmara dos Deputados ‒ condição que o fez ocupar interinamente a presidência da República, durante ausências do presidente José Sarney ‒ e do Congresso Constituinte. Em 1986, foi o segundo mais votado em todo o país para a Câmara dos Deputados. O primeiro foi outro político com carreira em São Paulo, Lula.

Na primeira eleição direta após a redemocratização, em 1989, nada menos do que cinco políticos de São Paulo disputaram a presidência da República no primeiro turno: Lula, Mario Covas, Paulo Maluf, Guilherme Afif Domingos e Ulysses. Lula foi para o segundo turno.

Desde 1994, a disputa pela presidência da República teve sempre em primeiro plano políticos de São Paulo: FHC e Lula em 1994 e 1998, Lula e Serra em 2002, Lula e Alckmin em 2006, Serra em 2010.

Isso para não falar na presença de paulistas em ministérios e outros cargos importantes da República, que deu origem, e não é de hoje, ao conceito de "paulistério".

Repórteres e editores foram na onda

Se tivessem tido mais juízo, os repórteres dos dois grandes jornais paulistanos teriam sorrido polidamente para o governador e tocado adiante a conversa. Na pior das hipóteses, caberia aos editores barrar a manobra do retrato de Rodrigues Alves, que, convenhamos, não chega a ser um prodígio de engenhosidade política.

A menos que… bem, sempre tem gente dizendo que Folha e Estado são veículos tucanos…

Com certeza não houve nenhuma maquinação entre o Palácio dos Bandeirantes e as duas redações, nada além de uma corriqueira oferta de pauta que foi aceita alegremente. O período é pré-carnavalesco, mas, registre-se, não carente de noticiário político ou geral, como demonstraram no dia seguinte, domingo (9/1), as edições dos três principais jornais do país.

O Estadão publicou matérias com informações renovadas sobre a disputa de cargos entre os partidos governistas e uma reportagem sobre investigação em que um cunhado do governador Alckmin é acusado de "integrar organização que troca contratos públicos por doação eleitoral". A Folha deu manchete sobre os planos do Exército para monitorar as fronteiras. E o Globo saiu com manchete sobre grupos de extermínio ligados a policiais, em todo o país, além de reportagens a respeito do empenho do governo Dilma em tornar públicas informações relativas a crimes praticados sob a ditadura em nome da segurança nacional.

A realidade brasileira é pródiga em pautas.

A falta de senso crítico dos jornalistas fez com que, no episódio do retrato de Rodrigues Alves, Alckmin tenha sido tratado com algo mais do que uma simples deferência.

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Fonte: Observatório da Imprensa