Até onde se possa saber, Dilma tinha a maioria das intenções de voto até alguns dias antes das eleições do primeiro turno. Estava definido que ela teria mais do que 50% dos votos válidos. Estaria eleita e não haveria segundo turno. Sem que isto fosse o esperado, possivelmente nos quatro dias que antecederam esta eleição, tudo mudou. Os resultados falam por si. Dilma foi o candidato mais votado. Mas por uma diferença bem pequena, de 3,1%, a situação não foi decidida.

O porquê deste fato histórico tem sido amplamente discutido, quase sempre convergindo para o sucesso do terceiro lugar. Os votos minoritários foram tão mínimos que ninguém ousou acusar os candidatos nanicos por terem tido alguma significação no resultado final. Não tiveram. Os votos nulos e em branco somaram bem mais do que eles conseguiram obter. Dos quase 20% do terceiro lugar, tem-se dado grande importância aos votos dos evangélicos fundamentalistas e os do pequeno rebanho católico ultraconservador. A discussão do problema vem sendo dirigida a este eleitorado que, no fim de contas, teria ‘decidido’ na última hora, o primeiro turno.

É muito difícil se ter certeza absoluta de que foi exatamente isto que ocorreu. Não é possível se saber com exatidão as razões dos que votaram em repúdio à candidatura Dilma e não escolheram o candidato-síntese das direitas, para depositar suas opções eleitorais. Algumas pistas disto são encontráveis nos mapas eleitorais, nos comentários existentes em todas as mídias, nos aspectos formais e informais da própria campanha e, sobretudo, nas estratégias que vêm sendo usadas agora, na corrida do segundo turno.

Imagina-se que o eleitor conservador, moralista, e, em alguns casos, fanático teria feito a diferença. Talvez, o problema seja ainda maior. Na tradição mais comum do país, a mulher deve ‘pilotar’ o fogão e receber ordens dos homens. O androcentrismo – sexismo ou machismo – é uma ideologia, não tem sexo ou etnia e é muito forte nas classes populares. Uma presidenta não é uma coisa considerada correta por quem imagina, a partir de preconceitos ancestrais, que este não é um lugar a ser ocupado pelas mulheres. Se eleita Dilma será a primeira da História do Brasil e uma das três primeiras da América do Sul a ocupar tal cargo. Ficou claro que, no Brasil, com o número imenso de votos (+- 66%) que duas mulheres tiveram, as coisas já mudaram bastante.

Uma das novidades do tempo presente é que muitos dos pobres do governo Lula acessam à Internet. Usam da rede para se comunicar com os seus pares. Superou-se a idéia que este meio de comunicação fosse de uso exclusivo das classes médias. Talvez, a acusação absurda e apócrifa de satanismo e a alucinada idéia que a Dilma eleita seria assassinada e substituída por um homem seja explicável como um efeito do androcentrismo transformado em intriga midiática. A mulher, desde do Gênesis, foi abominada como um possível aliado do diabo. Aliás, como é louca e maldosa esta invocação daquele que não se deve sequer dizer o nome. Ninguém lembra dele para falar das desigualdades e do profundo poço da ignorância humana. Quando se quer mudar o mundo e criticar o que existe, lá vem esta figura mítica adorada pelos conservadores espertos ou ingênuos, que ao mesmo tempo o temem.

A manipulação das consciências precisa do medo e da mentira para funcionar. A boa intriga não é algo absolutamente falso. O filho do vice da Dilma – Ai, os filhos do mundo atual! – afirma publicamente que já foi adorador de satanás. Só que hoje é evangélico e repudia sua própria origem. Este fato, evidentemente torcido, somado às questões de gênero que embalam a atual campanha eleitoral, adicionado a difamação permanente dos políticos petistas por efeito dos seus erros e das necessidades da oposição explicam a montagem desta intriga. Os intrigantes precisam de uma audiência dócil e pouco informada, capaz de aceitar qualquer bobagem que lhes seja empurrada por alguma autoridade de seu pequeno mundo. Parece que foi isto que ocorreu em um primeiro momento. Espera-se que, agora, a ferida feche e a verdade se restabeleça, pelo menos em parte.

A intriga é tão velha quanto a humanidade. Existe desde que apareceu o Estado e a sociedade de classes. Fala-se dela desde a Antiguidade Clássica. Ela se relaciona com os baixos instintos humanos e com o páthos (a emoção e o gosto). Afasta-se da razão como o diabo foge da cruz. É montada e desmontada de acordo com os interesses dominantes em cada época. Numa sociedade onde a intriga tenha pouco lugar, as diferenças sociais teriam de ser diminuídas, os bens simbólico-culturais melhor divididos e as mídias impedidas de propagá-las. Tudo isto ainda está longe da realidade brasileira atual e, por isso, vai se conviver com os atos da intriga por muito tempo. Ela está na sociedade e nas suas mídias. É, por exemplo, difícil ver um programa de televisão ou um discurso político onde ela se não apresente com muito vigor.

Curiosamente, o segundo lugar do primeiro turno vem comemorando uma vitória que não houve. Demonstra acreditar que, agora, o seu caminho estaria aberto para vencer no segundo turno. Na verdade, ele quer que os brasileiros acreditem que ele já está eleito e que esqueçam tudo que ele representa. Para o que ele deseja realmente venha ocorrer, vem agindo sem qualquer limite ético. Mobilizou até sua esposa para somar ao mar de intrigas que vem produzindo. Permanece nesta senda e quer ganhar o pleito deste modo. Deseja-se que seu caminho seja barrado pelos verdadeiros patriotas brasileiros. O governo Dilma será infinitamente melhor do que ele tem a oferecer, isto é, o retorno a um passado que se quer esquecer.

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Luís Carlos Lopes é professor e escritor

Fonte: Carta Maior