Os chineses pretendem apostar no carro elétrico. Sua popularização deverá ser a chave para manter o alto crescimento do mercado interno, agora liderado pela economia dos serviços, porém sem os inconvenientes do combustível fóssil. Confirmadas essas tendências, deve-se esperar que entre em colapso a aliança secular pelo paradigma ainda vigente, inclusive a tradicional cadeia de negócios metal-mecânica.

Será essa uma grande ameaça às apostas brasileiras feitas nos últimos anos – pré-sal, etanol, metal-mecânica tradicional e carnes? Acreditamos, infelizmente, que sim. Estamos de fato nos preparando para esse novo mundo? Nossas exportações de alimentos de maior valor agregado, por exemplo, podem ser prejudicadas porque estão fortemente direcionadas para os países exportadores de petróleo. Somos o maior exportador mundial de carnes e mais de 70% dessas exportações vão para exportadores de petróleo.

Para estar preparado para a tendência mundial da motorização elétrica, o Brasil precisa investir no desenvolvimento tecnológico de carros elétricos e híbridos. A melhor forma de fazê-lo é através dos campeões nacionais.

Ninguém jamais ousou imaginar que o governo norte-americano um dia “nacionalizaria” a General Motors, qualquer que fosse a crise. A GM foi durante a maior parte do século XX uma das maiores empresas do mundo e motivo de orgulho do capitalismo norte-americano. Tratou-se, por certo, de um abalo absolutamente inusitado nas crenças e nos valores do laissez-faire.

A indústria automobilística pertence ao setor metal-mecânico. Os setores metal-mecânico, químico e eletroeletrônico, que chamamos de Indústrias Centrais, respondem por algo entre 55% e 75% das exportações dos países mais desenvolvidos e dos tigres asiáticos. O setor metal-mecânico representa o núcleo duro da indústria dos países mais desenvolvidos.

As Indústrias Centrais constituem a base das inovações e da competitividade dos países mais desenvolvidos. Para se ter apenas uma rápida dimensão, basta mencionar que os EUA, a Europa e o Japão respondem por quase 70% dos gastos globais em pesquisa e desenvolvimento e mais de dois terços das patentes industriais registradas.

Entre as Indústrias Centrais, o setor metal-mecânico tem o maior peso, correspondendo por algo entre 55% e 65% das exportações industriais desses países. A indústria automobilística, por sua vez, tem participação significativa dentro da indústria metal-mecânica, algo em torno de 33% de suas exportações. Portanto, dificilmente uma grande nação pode possuir uma indústria metal-mecânica forte sem uma indústria automobilística forte.

Possuir uma indústria automobilística nacional competitiva foi um dos objetivos máximos dos grandes estadistas. Países bem sucedidos foram aqueles que buscaram construir suas próprias marcas. A experiência estrangeira foi aproveitada pelos retardatários em processo de emparelhamento tecnológico, porém soluções nacionais tiveram que ser experimentadas localmente.

Os custos da mão-de-obra chinesa e indiana são uma ameaça pequena perto do carro elétrico. Seu desenvolvimento já é considerado como imprescindível para a viabilização da economia de baixo carbono. Para complicar um pouco mais o jogo global da indústria automobilística, os chineses estão na vanguarda com o primeiro carro elétrico de baixo custo em operação comercial.

O automóvel é imprescindível para a continuidade do crescimento chinês. Nos EUA, há 75 veículos para cada 100 habitantes e na China há pouco mais de quatro veículos por 100 habitantes. Pode-se afirmar, portanto, que os chineses estão mais de 60 anos atrasados em relação à civilização do automóvel. As exportações industriais puxaram o crescimento chinês nas últimas décadas. Com a crise de 2008, elas mostraram claramente que bateram no teto. A saída agora deve ser a aposta no mercado interno e nos serviços.

Mas como fazer com que os chineses aumentem o consumo de serviços? Uma das soluções é aumentar a renda das pessoas através do gasto público. A outra, complementar a essa, é mudar paradigmaticamente os hábitos de consumo.

O crescimento da nova indústria automobilística representa uma das poucas coisas que podem fazer com que a China continue crescendo próximo a 10% ao ano. Toda a mudança do paradigma urbano do século XX, que teve o automóvel como carro-chefe, ainda está para ser construída na China, onde 58% da população ainda vivem no meio rural. A popularização do automóvel convencional é algo impensável lá por razões ambientais e de oferta de petróleo.

O governo chinês deseja transformar efetivamente o país em uma potência na produção de carros elétricos. Para tanto, investe no financiamento de pesquisas e na oferta de subsídios de até US$ 8.800 para os consumidores trocarem seus carros convencionais pelos veículos elétricos. Diversos governos, entre eles o norte-americano, o francês, o japonês e o britânico, já anunciaram pesados subsídios à pesquisa.

Há quem ache que o carro elétrico demorará muitos anos para se popularizar. Nos EUA e no Japão, por exemplo, a venda de híbridos alcança 3% dos negócios e subsídios de até US$ 7.500 são oferecidos para os compradores. O veículo elétrico poderá responder por 60% das vendas em 2050, ou seja, 25% da frota global.

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*Economista de carreira do BNDES.

**Professor adjunto da Ufes

Fonte: Monitor Mercantil