Imediatamente depois do assalto mortal contra a Flotilha “Gaza Livre” (Free Gaza, FG) há algumas semanas, em águas internacionais, quando nove ativistas foram assassinados e dúzias feridos, quando a flotilha tentava entregar ajuda humanitária à faixa sitiada, as autoridades de Israel passaram a sofrer intensa pressão para que o bloqueio fosse levantado.

Finalmente, Israel cedeu, depois de informada de que, em troca de qualquer abertura no bloqueio, a comunidade internacional aceitaria que Israel instalasse investigação interna dos eventos do assalto à Flotilha, mesmo que não seja investigação independente como se exigiu inicialmente (sobre isso, ver “All at sea over flotilla probes”, Thalif Deen, Asia Times Online, 16/6/2010, em http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/LF17Ak01.html)

Dois observadores internacionais serão admitidos, para monitorar a investigação. Mas o inquérito israelense já foi descartado como absolutamente não confiável, por críticos que continuam a exigir investigação independente e com mais credibilidade. Um desses observadores é David Trimble, ex-líder da ala direita do Partido Unionista do Ulster e ex-primeiro ministro da Irlanda do Norte. Trimble também é membro vitalício do Partido Conservado Britânico. No dia do assalto sangrento à flotilha, Trimble criou um grupo-lobby que recebeu o nome de “Amigos de Israel”.

Seja como for, a abertura mesmo parcial do bloqueio contra Gaza ainda não está implantada. E quando, ou se, chegar algum dia a ser implantada, nada fará que altere essencialmente a situação dramática que subjaz aos problemas dos palestinos em Gaza. Ali, uma população de 1,5 milhão de pessoas, a maioria da quais são civis, foram reduzidas à mais abjeta situação de miséria, com Gaza convertida em problema humanitário dos mais graves que o mundo jamais conheceu.

“Admitir que entrem em Gaza maionese e batatas fritas [dois dos itens cuja admissão em Gaza Israel diz que está estudando] é absolutamente irrelevante, se não se der atenção às raízes daquela crise”, diz Maxwell Gaylard, representante especial e coordenador humanitário da ONU para o Oriente Médio.

“É preciso reconstruir os sistemas de água, esgoto, energia elétrica e assistência pública à saúde” – disse Gaylard, em entrevista a Inter Press Service (IPS). – “A economia de Gaza tem de ser completa e seriamente reabilitada”.

Atualmente, Israel admite a entrada em Gaza de cerca de 80 itens. Há um ano, eram 40. Antes de junho de 2007, quando teve início o governo do Hamás em Gaza, 4.000 tipos de bens e produtos eram admitidos por mês, em cerca de 10.400 caminhões. Hoje, só entram 2.500 caminhões por mês.

Israel sempre argumentou que o sítio seria necessário por razões de segurança. Adiante, depois de processo movido contra Israel pela organização israelense de direitos humanos Gisha, o governo de Israel foi forçado a reconhecer que o sítio de Gaza é movimento, antes de tudo, político.

“Israel tem o direito de escolher se mantém ou não relações econômicas com outro país e se oferece ou não assistência econômica a outro partido com o qual esteja em conflito, ou se deseja operar por recursos de ‘guerra econômica’” – declarou recentemente o governo de Israel.

Para o Comitê Internacional da Cruz Vermelha [ing. International Committee of the Red Cross, ICRC], porém, o sítio de Gaza configura violação de leis internacionais, porque se define como punição coletiva contra populações civis.

Para Cecelia Goin, da Cruz Vermelha em Jerusalém, qualquer relaxamento no bloqueio de Gaza é passo na direção certa; mas, também para ela, é indispensável não esquecer as questões de fundo.

“O bloqueio tem de ser completamente levantado. É o único meio possível para que os gazenses consigam reconstruir a vida normal” – disse Goin a IPS.

“A energia elétrica é cortada durante sete horas, todos os dias. Sem energia elétrica, até o atendimento a pacientes internados é posto sob risco grave” – ela continua. “Depois que a energia elétrica é religada, os reatores ainda demoram de dois a três minutos para começar a funcionar. Nessas condições, os aparelhos eletrônicos não funcionam normalmente. Os respiradores artificiais têm de ser religados manualmente; as diálises são interrompidas; as cirurgias são suspensas ou adiadas, porque os centros cirúrgicos mergulham em total escuridão” – continua Goin.

“Demoramos cinco meses para obter permissão para trazer um aparelho para exames de mamografia para o Shifa Hospital, principal hospital em Gaza. E mais cinco meses, até Israel autorizar a entrada de um equipamento para diálise. Para trazermos peças de reposição para ambulância, foram oito meses”.

“Faltam remédios essenciais, como drogas antiepiléticas; faltam tubos para os ventiladores pulmonares. De cerca de 700 itens hospitalares descartáveis, há falta absoluta de cerca de 110 itens. A situação da saúde em Gaza é absolutamente crítica.”

Para os palestinos da Cisjordânia, a vida é consideravelmente mais fácil, mas também aí a ocupação continuada de território palestino por Israel já danificou gravemente o tecido social vital.

“Melhoram um pouco as condições de movimentação dos palestinos, depois que Israel diminuiu o número de pontos de controle e bloqueio de estradas. Mas ainda é difícil para os palestinos sair do norte da Cisjordânia rumo ao sul do território que, de fato, está dividido em dois cantões” – disse Maxwell Gaylard, representante especial e coordenador humanitário da ONU para o Oriente Médio, em entrevista a IPS.

“Houve também alguma melhora na economia da Cisjordânia, graças a alguns estímulos fiscais e ao pagamento de salários com mais regularidade. Mas é preciso que essas melhoras perdurem por mais tempo, de modo sustentável, para que os palestinos possam recomeçar a viver com alguma normalidade, sobretudo os agricultores” – continua Gaylard.

O muro de separação construído por Israel separou os agricultores e seus campos e plantações, além de ter havido confisco de vastas áreas de terra palestina, tanto para a construção de colônias ilegais exclusivas para judeus, quanto por alegados motivos ‘de segurança’.

“Não há distribuição homogênea de água. Os israelenses ocuparam todas as fontes de água da região; os palestinos têm de sobreviver com as fontes que restaram, e só restaram por serem menos produtivas, de acesso mais difícil ou intermitentes” – disse Gaylard.

Quem vive na Cisjordânia não enfrenta racionamento de gasolina nem de água potável. Em Gaza, até os depósitos subterrâneos de água já estão contaminados por esgotos, pesticidas, produtos químicos e água do mar. (Inter Press Service)

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Fonte:  Asia Times Online

http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/LF17Ak04.html

Tradução: Caia Fittipaldi