É mais que evidente – ninguém o nega – que a milenar e celebrada civilização ocidental se afunda num mar de lama. São corruptos os homens de estado, os magistrados, os dirigentes associativos, os autarcas, os letrados. São corruptos os homens de negócios, os banqueiros, os financeiros, os filantropos. São corruptos os condutores das almas, os cardeais, os bispos, o clero. E não é só em Portugal que isto acontece. A corrupção alastra por todo o mundo capitalista.

Naturalmente que nada disto é coisa nova. Poder e corrupção sempre caminharam na História, lado a lado. Nunca, porém, em tão grande escala como agora. E nunca de modo tão público e desbragado. Se olharmos mais de perto o mundo em que se desenvolve livremente este clima de imoralidade e de imunidade da mentira pública e privada, veremos que ele se implanta em áreas cada vez mais extensas, sempre através da contradição de fundo, da carpintaria verbal e da duplicidade das leis. Mesmo que as legislações sejam aparentemente justas e adequadas, são redigidas de modo a que seja possível manter-lhes a forma mas mudar-lhes o sentido, com novas leituras e interpretações. Frequentemente, o campo onde a desonestidade pública se desenvolve é potenciado pelo próprio legislador. Há leis básicas, essenciais, que são um verdadeiro viveiro de eventuais alçapões. Veja-se, por exemplo, a Concordata entre o Vaticano e o Estado português. E quando legislam, os legisladores não estão em estado de inocência. Sabem que ajudam a construir uma sociedade baseada na desigualdade e na corrupção.

O carácter global da corrupção capitalista

Dir-se-á que, sendo na verdade o mundo dos altos negócios intensamente corrupto (o que é passivamente aceite como natural), já o Estado, a Justiça e o Poder Legislativo, pairam acima da corrupção. Esta máxima legal, mil vezes repetida ao longo da História ganhou estatuto de dogma mas é completamente falsa e altamente perigosa. Consciente ou inconscientemente, tende a encobrir o crime. No mundo dos altos negócios capitalistas e nas instituições baptizadas como «defensoras do povo» e do «penhor da justiça», há uma troca constante de interesses e de pessoas. Um bom contrato empresarial exige legislação que dê cobertura e garanta imunidade aos objectivos a alcançar. E logo ela ali surge, como que por milagre, pela mãozinha amiga do legislador. Cumpridos esses inconfessados objectivos, é frequente verem-se deputados ou juristas saltar da área legislativa para as administrações dos grupos económicos beneficiados. É-lhes também possível conservarem postos políticos e receberem dos empresários grandes lotes de acções e de «luvas», continuando a legislar. Através de transferências “blindadas” de valores, uma das razões de ser dos «offshores» e das sociedades financeiras anónimas. Por outro lado, o Estado vende ao desbarato o património nacional e transforma-se a si próprio, numa poderosa instituição financeira privada que compra e vende ao sabor das oscilações das bolsas de valores. Tudo se transforma em dinheiro.

São operações gigantescas e principescamente pagas. As pessoas deixam-se comprar e vender desde que o negócio dê lucro. Os códigos morais passam a ser empecilhos, inimigos a abater. E assim vão surgindo aceleradamente, mesmo nos países do «terceiro mundo», um punhado de grandes potentados do capital e centenas de milionários de nova geração. A plebe deixa de ter lugar nesta «Nova Ordem» e até privilégios da média burguesia passam a ser discutidos palmo a palmo. O peso popular, mesmo como massa compradora, é desqualificado. A partir de certa altura do desenvolvimento do processo capitalista, os consumidores que interessam deixam de ser recrutados entre o povo anónimo. O funcionamento do mercado será garantido por elites endinheiradas que constituem os quadros das grandes empresas capitalistas e da administração. Serão estes os novos consumidores. Aqueles a quem a banca empresta e financia porque representam um dos eixos centrais do novo sistema capitalista. A partir desse ponto, os mercados funcionarão na «Nova Ordem» com outras estruturas sociais que implicam o esmagamento das classes médias, a completa marginalização do proletariado e a implacável opção de «deixar à sua sorte» os pobres, um desprezível peso morto herdado de antigos regimes. Os ricos dominarão a Terra. É pelo menos assim que os capitalistas e a igreja capitalista pensam e agem.

As maravilhas da informática, da electrónica e dos automatismos industriais, substituirão com vantagem a mão-de-obra braçal. Com esta importante mais-valia adicional: as máquinas não pensam, não contestam nem se juntam umas às outras para reivindicarem direitos. Até há pouco tempo, os milionários estavam satisfeitos. Percorrida metade do caminho do seu megaprojecto de poder, já dominavam as nações. Mas sobreveio a grande crise económica da produção, recrudesceram as lutas de classe e tudo de novo começou a ser posto em causa.

A questão não é apenas moral mas política

A denúncia gradual da corrupção do poder instituído, generalizada a toda a sociedade, é um dos indesejáveis aspectos que o capitalismo bem gostaria de ter sido capaz de evitar. Não é que a denúncia das realidades o faça desabar de um momento para o outro. Mas corrói e… de que maneira! Trás de novo à baila revoluções antigas, quando os povos se ergueram contra quem os submetia e explorava.

De súbito, de uma só guinada, o capitalismo global mudou de estratégias. Proclamava-se «rico e vencedor», agora afirma-se «em crise e caluniado». Da ofensiva passou ostensivamente à defensiva. Resta-lhe escolher entre uma posição de força – apertando o garrote da exploração do homem e submetendo-o pelo terror – ou continuando-o a enganar com a inovação das formas de mentir e de o vincular a velhos tabus.

É neste quadro que para a igreja católica é reservado um lugar de destaque. Enquanto multidões encherem os espaços louvando o Papa e a Santíssima Trindade, nem tudo está perdido para os milionários e os seus servidores – homens de negócios, políticos corruptos, especuladores das bolsas ou chefes que detêm todo o poder na comunicação social. A próxima visita do papa a Portugal está justamente a ser montada nesse sentido.

O espectáculo vai ter custos monumentais cujos montantes reais dificilmente virão a ser conhecidos pelo povo. Calcula-se que os cenários que estão a ser construídos ao longo do país custem muitos milhões, pagos pelo Estado ou seja, pelo orçamento público, isto é, pelos trabalhadores. Segundo, o Patriarcado revelou imprudentemente, a Missa de Lisboa «custará zero» às finanças públicas, visto ter havido um movimento de solidariedade de «pessoas individuais e de empresas» que reuniu para o acto os fundos necessários. A missa teria custado, caso assim não fosse, mais de 200 mil euros (estimativa certamente feita «por baixo»). Mas, para além desta missa de Lisboa, paga pelo «espírito solidário e cristão» dos grandes patrões, haverá mais duas grandes missas (Porto e Fátima) que não custarão, cada uma, menos que a missa da capital. O Estado subsidiará uma gigantesca rede de transportes colectivos montada «ad hoc» e destinada a levar e trazer de um lado para o outro a multidão de peregrinos que a igreja aspira enquadrar numa massa popular nunca vista. O Patriarcado – já foi oficialmente anunciado – aguarda que, só em Lisboa, participem na missa 80.000 fiéis e espera que ao percurso do papa acorram mais 160.000 pessoas. Tudo isto num ambiente de puro fundamentalismo, com a invocação da Virgem, de Fátima, do Cristo Rei, da Capelinha das Aparições com Bênção das Velas, cartazes e bandeiras, rosários e cruzinhas, etc.

A reafirmação desta opção obscurantista do Vaticano no mundo actual completa-se com outras acções de maior interesse. O papa Ratzinger tem sucessivos encontros marcados com homens da cultura, com responsáveis das ONG e IPSS e, segundo se afirmou mas o programa oficial não confirma, com as associações patronais.

Veremos quem aparece e o que das reuniões transparece.

A visita do papa a Portugal vai decorrer num clima social conflituoso. Não porque o papa seja objecto de uma atenção especial. Mas porque os trabalhadores começam a levantar-se contra a exploração de que são vítimas e contra o regime das máfias que frequentemente se apoiam na doutrina da igreja. Há dezenas de greves e de outras formas de luta marcadas para o mês de Maio. Ratzinger foi infeliz na escolha das datas para a sua visita a Portugal. Mas a História, por vezes, escreve a verdade com linhas tortas.

Por outro lado, a visita verifica-se em plena fase de agudização da crise profunda (talvez decisiva) em que o mundo católico mergulhou, a par da crise do capitalismo. Crise de perda acelerada de credibilidade causada por múltiplos escândalos sucessivos, tais como o da pedofilia dos padres. Crises culturais desencadeadas pela clara incapacidade da hierarquia da igreja em compreender, assimilar e aplicar aos próprios ritmos católicos o essencial das extraordinárias conquistas das ciências contemporâneas. Enfim, crise política posta a nu pela revelação da extensão das alianças que identificam catolicismo oficial e capitalismo explorador.

Os verdadeiros “cidadãos do mundo” vêem na situação global que a sociedade vive, duas saídas de sinais diferentes. Se os homens se organizarem, lutarem e vencerem os inevitáveis combates que se travam a nível da confiança das massas, das ciências e das políticas ao serviço da humanidade, as portas da vida abrir-se-ão sobre um futuro risonho. Se assim não for, um cataclismo com as terríveis dimensões dos meios tecnológicos disponíveis desabará sobre as civilizações.

A “luta de classes” representa um instrumento insubstituível para a correcção dos desvios e dos vícios da história da humanidade.

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Jorge Messias é amigo e colaborador de odiario.info.

Fonte: O diario.info