O impeachment é golpe? Não. O afastamento do presidente da República está previsto na Constituição Federal. O impeachment sem configuração de crime de responsabilidade ou de crime comum é golpe? Sim.

Desculpe, leitor, a homenagem ao Conselheiro Acácio (aquele personagem do Eça de Queiroz que se especializava em proclamar o óbvio ululante), mas no Brasil de hoje é preciso dizer tudo, com todas as letras.

O impeachment precisa ser devidamente fundamentado. A Constituição lista, e lei pertinente define os crimes que podem levar ao afastamento do presidente da República, assim como os procedimentos que devem ser seguidos.

Se esses requisitos não forem rigorosamente respeitados, o que teremos é uma ruptura da ordem democrática — a cassação do mandato de uma presidente legitimamente eleita. Em uma palavra: golpe.

Não basta afirmar que todo impeachment é uma questão eminentemente política. Sem dúvida que é, mas na democracia todas as questões políticas têm que ser tratadas dentro da ordem jurídica.

É preciso tentar entender a legislação aplicável e discutir se o processo que está sendo seguido é condizente com ela. Bater panela ou sair pelas ruas gritando slogans é legítimo, é um direito de todos. Mas quem se preocupa com a democracia tem a obrigação de saber do que está falando.

Os defensores do impeachment não estão invocando crime comum. É preciso verificar, então, se têm base as alegações de crime de responsabilidade. A Constituição (artigo 85) estabelece como crimes de responsabilidade os atos do presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e destaca especialmente, entre outros, os atos que atentem contra a existência da União, o livre exercício dos outros poderes, os direitos políticos, a segurança interna do país, a probidade na administração, a lei orçamentária e o cumprimento das leis e decisões judiciais. A Lei nº 1.079, de 1950, define os crimes de responsabilidade.

Não vamos cair no ridículo de apresentar como justificativas para o impeachment, por exemplo, uma alegada “incompetência” da presidente ou que “o governo não consegue governar” ou que “as pesquisas mostram que a presidente é impopular”. Esses argumentos não têm, e nem poderiam ter, a menor sustentação legal. E, no entanto, há muitos que lançam mão desse tipo de justificativa. A esses diria, simplesmente, dirijam-se à urna mais próxima! Teremos eleições em 2016 e em 2018.

Bem sei que é difícil ganhar uma eleição presidencial. A oposição está há muito tempo tentando, sem sucesso. Alguns partidos importantes nunca conseguiram chegar à Presidência pelo voto. Mas o caminho do impeachment também não será fácil, especialmente se não ficar bem claro que a ordem jurídica está sendo rigorosamente respeitada.

Cuidado para não cutucar o povo com vara curta.

Se requisitos não forem rigorosamente respeitados, teremos uma ruptura da ordem democrática.

O colunista é vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, sediado em Xangai, mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal.

Publicado na Zero Hora