Que se houvesse menos assunto e mais canção na sua fala, presidente, talvez não estivéssemos nesse pandemônio. Por “canção” entenda-se não aquela junção particular entre poesia e música que um dia disse tanto de nós, brasileiros. Não pegaria bem a suprema mandatária pegar o microfone e mandar ver “Chega de Saudade”.

Também não se trata de uma questão de forma, presidente, da maneira adequada de comunicar o que tem a dizer. É de se crer que tenha à sua volta gente treinada em redigir discursos. Em colocar no papel, ou no teleprompter, as frases que melhor expressem o seu pensamento.

Ninguém põe em questão, por fim, que a oratória é o discurso dominante da disputa política. Só que, entre nós, essa forma foi contaminada e colonizada por forças arrasadoras, uma vinda de dentro, da tradição, e a outra de fora, dos países mandões.

A primeira é o pedantismo bacharelesco, a fala com raiz de classe, a eloquência afetada dos bucéfalos que buscam botar o zé-povinho no seu devido lugar, as minas de sal. A segunda força é o marketing, a vulgaridade comercial, oriunda da propaganda, que etiqueta seres humanos e os torna mercadorias.

Canção, portanto. Num sentido bem preciso: o da expressão do que lhe vai pela alma, presidente. Nesses dias de ira, nos quais o palavreado político é uma tumba de clichês, a última fonte de luz é a lírica –o canto que põe para fora a força da intimidade.

Mesmo os seus inimigos mais truculentos, os tomados pela intolerância fanática, lhe concedem a honradez pessoal. Essa honestidade fundamental, presidente, não é adereço de fim de currículo. É o cerne da sua maneira de ser e ver a vida.

Querer ligá-la à corrupção é, pois, injustiça extravagante. No entanto, lá está ele, Eduardo Cunha, o Sinistro, à frente da horda que quer expulsá-la do Planalto. O cretinismo parlamentar, expressão três vezes repetida em “O 18 do Brumário”, contaminou a nação.

Há, por certo, muito mais coisa em jogo no processo para impedi-la de exercer o poder. O destino do povo pobre e o da democracia serão decididos nos próximos dias, em semanas. E a senhora está no meio do rodamoinho. Será outra injustiça, pior que as manchas de corrupção que lhe pespegam, se for para o patíbulo sem pôr os pingos nos is, sem articular a sua verdade.

Não se deixe amedrontar pelos que dizem que não sabe falar, quanto mais cantar, ainda que um sambinha de uma nota só. Na hora H, as palavras virão. Como o poeta que trilhou a estrada de pó e esperança, acredite no poder da voz humana em inventar novos vocábulos e dar sopro aos exaustos.

Foi-nos ensinado que é preciso estar à altura do fim, qualquer que seja ele. Uma coisa é morrer à frente de um estado de trabalhadores e ser pranteado por milhares deles, como Lênin o foi. Outra, é levar um tiro na cabeça e jogarem o cadáver num rio, como aconteceu com Rosa Luxemburgo na Berlim de 1919.

Calar, neste momento em que a enxovalham, é não estar à altura do fim, qualquer que seja ele. É silenciar diante dos apupos e pedradas que a machucam. Nada está decidido, mas se o fim funesto sobrevier, os 54 milhões que a elegeram terão ao menos o seu canto do cisne. A elegia da derrota também ensina.

Será a única memória boa de um período atroz; e toda lembrança boa revoa lá dentro de nós, aparece na voz –quem disse para você cantar também, coluna?

Com a palavra, a presidente.