Em uma conjuntura na qual o governo golpista vê ruir seus índices de aprovação e em que as candidaturas  de direita (várias no ninho dos tucanos: Alckimin, Aécio, Serra, FHC, Dória) ou de outros pontos no espectro político (Bolsonaro, com extrema-direita para o caso brasileiro; Marina, uma gelatina em busca de quaisquer partidos que a abriguem) se mostram com baixas intenções de voto, Lula desponta, inegavelmente, como o nome que, se confirmar sua candidatura, partirá do melhor patamar, algo pouco acima de 30% da intenção de votos2.

Neste texto indico um conjunto de ponderações e, até mesmo, de contrapontos ao entusiasmo com que parcela da esquerda (não apenas do PT) recebeu e tem trabalhado essa expressiva intenção de votos para Lula-2018. Recusar-se a analisar os limites dessa virtual candidatura seria um erro político grave e com isso não se pode transigir.

Pré-candidatura ou frente ampla e democrática como ponto de partida para 2018?

O fato, que me parece irrefutável, de que Lula é o nome de maior densidade eleitoral no campo  de esquerda, centro-esquerda e democrático não me parece suficiente para que ignoremos outras possibilidades que não seja o “volta-Lula!”.

O primeiro aspecto a ser considerado é o de que, por diversas razões, a tarefa desse campo a ser enfrentada com urgência é o da formação de uma frente ampla e democrática (portanto, que transborda as fronteiras da esquerda), na sociedade civil (entidades, organizações, movimentos, mídia alternativa) e no que ainda resta de compromisso com direitos sociais (trabalhistas, previdenciários), direitos políticos (pluralismo partidário, liberdade de expressão e organização) e democracia nos partidos e nas duas Casas do Congresso Nacional.

Não sustento isto apenas, e isso já seria razão suficiente, pelo que está em resolução do Partido a que sou filiado3, mas porque, sem isso, não haverá como resistir ao que tem se estabelecido, na sociedade civil e no Estado, em termos de lógica global do rentismo, contrarreformas neoliberais, Estado de exceção (de que é expoente cabal a Operação Lava-Jato), conflito entre os Poderes e recessão econômica.

Não há demiurgo, não há liderança, não há candidatura capaz de substituir esta tarefa inadiável e essencial,  a da formação de uma frente ampla e democrática. Estamos sob fogo cruzado e as trincheiras para a guerra de posição (hoje já com contornos de defensividade…), que neste momento se nos apresenta, exigem uma robustez que não advirá de nenhuma candidatura, por maior intenção inicial de votos que possua. Esta tarefa exige, para além de potencial eleitoral, uma maior capilaridade na sociedade e isso não se conseguirá unicamente pela existência de uma figura emblemática como a de Lula.

Somente com uma frente dessa envergadura se poderá iniciar o trabalho de reversão do desastre sobre investimentos nas áreas sociais representado pela aprovação da PEC 55 e pelo que se anuncia com as reformas da Previdência e trabalhista. Se as eleições em 2018 não produzirem uma composição diferente da que possuem, hoje, Câmara e Senado, o que supõe embates muito mais abrangentes junto ao eleitorado do que pode se dar por meio de qualquer chapa à Presidência da República, o retrocesso durará talvez mais do que os 20 anos de congelamento orçamentário e de orgia rentista.

A intenção de votos à luz do índice de rejeição

Os que se animam com a intenção de votos a Lula precisam levar em conta outro indicador, tão ou mais importante do que este e que sinaliza, até com mais segurança, os limites para o crescimento de qualquer candidatura. Refiro-me ao índice de rejeição, que não vem sendo divulgado.

É razoável, no entanto, olhar para a eficácia da propaganda e do combate, por outros meios, que foram feitos na direção do antipetismo e, em sentido mais amplo, à esquerda como um todo. Essa política do ódio e de forte conteúdo classista e de preconceito quase obteve sucesso eleitoral, pois Dilma venceu Aécio, no segundo turno em 2014, por uma pequena margem de votos (dentre os válidos, respectivamente 51,64% e 48,36%, numa eleição em que votos nulos, brancos e abstenções, ou seja, o não-voto atingiu 27,44% do eleitorado).

Claro que Lula está, eleitoralmente falando, acima dos patamares de Dilma, do próprio PT e, neste  momento, de qualquer outro nome do campo aqui indicado. Mas a questão é a barreira representada pelo índice de rejeição a ele e ao PT, algo que pode ser estimado em mais de 40%. É muito incerto, pouco provável, que uma candidatura de Lula avance sobre os cerca de 30% restantes, a ponto de aglutinar, destes, pelo menos dois terços, sem o que não haveria como ganhar as eleições presidenciais.

Se a direita não possui, hoje, um(a) pré-candidato(a) favorito(a), insistir numa candidatura de Lula pode ser, paradoxalmente, o motivo para que, como Collor, em 1989, seja forjado, ou inflado pela via midiática, algum candidato que derrote, nas urnas, a esquerda e o centro-esquerda. Lula pode ser, portanto, a alavanca que hoje falta à direita.

Exclusivismo petista para chapa à Presidência, caminho para a viabilização de uma candidatura de direita

Verifica-se em amplos setores do PT, e mesmo de outras forças do mesmo campo, a reiterada pretensão do exclusivismo petista para encabeçar chapa à presidência da República. Por vezes é utilizada, equivocadamente, a expressão “hegemonismo” para caracterizar esse processo, mas como essa expressão nos remete a uma categoria operante na realidade (hegemonia) e apreendida por Gramsci para designar direção moral, intelectual e política, penso que o melhor seja falar em exclusivismo.

Essa frente ampla e democrática possui, no plano partidário, outros nomes que vêm sendo colocados no cenário eleitoral como possibilidades. Ciro Gomes (PDT), Flávio Dino (PCdoB), Jandira Feghali (PCdoB), Roberto Requião (talvez o último expoente nacional do PMDB histórico e comprometido com a democracia…), Marcelo Freixo (PSOL), Guilherme Boulos (que me consta não ser filiado a nenhum partido). O próprio PT, com Fernando Haddad, apresenta um nome que não o de Lula para o pleito do ano que vem.

Nenhum deles, é verdade, parte da intenção de votos de Lula, mas no cálculo estritamente eleitoral também nenhum deles possui a mesma rejeição, embora todos carreguem mais ou menos o peso que advém da criminalização da política, da ideologia antipartidária, do fundamentalismo religioso e dos tempos de fascismo em que nos inserimos.

A todos eles, a meu ver, estão colocados os desafios da construção da frente ampla e democrática e o de um programa, item à frente e com o qual fecharei esta reflexão.

Com que programa disputar as eleições de 2018?

Este é o principal pilar da disputa eleitoral que se avizinha. Sem um programa que expresse o que for possível e necessário no interior dessa frente ampla e democrática, em diálogo com a maioria da população brasileira, até mesmo uma vitória eleitoral se mostrará insuficiente.

Por isso é que iniciar o debate sobre 2018 com “volta-Lula”, sem um programa, é um brutal equívoco. Voltar para quê? Sem dúvida, voltar para que retornem políticas sociais e uma política de recomposição do poder aquisitivo do salário mínimo. Mas estas, além de serem insuficientes, dada a desigualdade socioeconômica secular a que estamos submetidos, não terão  mais  o  lastro  orçamentário  decorrente  dos  preços  das commodities na  economia internacional e não poderão contar com o crescimento do mercado consumidor interno, sem que haja uma política muito mais profunda na direção da distribuição de renda e de riqueza.

Um programa de desenvolvimento para o Brasil precisará de instrumentos de reforma fiscal que tribute as grandes fortunas, que estabeleça a progressividade nos impostos, que permita os municípios praticarem uma ação de IPTU que combata a especulação imobiliária, que desengeasse os orçamentos dos Estados pelo caráter quase que sagrado da Lei de Responsabilidade Fiscal.

O ajuste fiscal de que precisamos certamente não é o que está em curso e que já mostrava sua dinâmica ou lógica com as desonerações sobre as contribuições previdenciárias, com a renúncia fiscal para as indústrias da linha branca e automobilísticas etc., medidas adotadas nos mandatos de Dilma.

Uma reforma urbana e uma reforma agrária continuam na pauta dos movimentos sociais, mas praticamente sumiram da agenda governamental, não apenas nos termos dramáticos do governo golpista, mas em boa parte dos governos de coalizão, à frente dos quais esteve o PT. Não conseguimos, de 2003 a 2016, avançar, a título de ilustração, na luta por tarifa zero, ou, pelo menos, por mecanismos que cumprissem o papel de evidenciar para a população que transporte coletivo é um serviço público e sua tarifação nada tem de “natural” ou inevitável, mas decorre de décadas de uma concessão ao capital que atua no setor, quase sempre sem sequer cumprir as contrapartidas definidas contratualmente. A demarcação das terras indígenas vem sendo protelada, numa sequência de inações que facilitam, para dizer o mínimo, o genocídio sobre povos e culturas indígenas.

O entreguismo ao capital transnacional, de que é exemplo cabal o que Serra & Cia. vem fazendo com o modelo de exploração do petróleo do pré-sal, mas também nos retrocessos quanto ao BRICS, precisa ser revertido.

Equivocam-se os adeptos da estatolatria (a expressão é de Gramsci) e mais ainda os da “governolatria”, que boa parte da esquerda cultua, como se na esfera governamental houvesse a capacidade que nem mesmo um poder de Estado possui, isto é, alterar significativamente a correlação de forças na sociedade civil. Por isso há de se ter muita cautela em imputar a governos tarefas que são de abrangência e profundidade muito maiores. Isto, entretanto, não nos deve fazer deixar de apontar sérios limites nas experiências de governo de que participamos, de uma forma ou outra.

Num balanço, necessariamente crítico, sob pena de não ser balanço, dos governos Lula e Dilma, é preciso reconhecer que praticamente nada se fez sobre o grande capital. A concentração da propriedade fundiária permaneceu intocável, o capital financeiro não teve do que reclamar e a fração agronegocista do capital deu as cartas, sob vários aspectos, no bloco no poder.

Outra grande lacuna foi que em nada se avançou na democratização dos meios de comunicação social, bandeira historicamente levantada por Leonel Brizola e que hoje integra a pauta de muitas organizações e iniciativas da mídia livre ou alternativa.

Um projeto “Lula-2018” que não expresse uma frente e de partidos políticos que lhe deem sustentação, e que definam caminhos consensuados no âmbito da sociedade civil, no que ela tem de compromisso com democracia, combate às desigualdades e melhor distribuição de renda e riqueza, pode sinalizar que um novo mandato de Lula superaria os limites vistos entre 2003 e 2016? Receio que a resposta seja não.

Nossas tarefas, portanto, são as da Resolução Política do Comitê Central, das quais, sinteticamente, destaco a oposição ao governo Temer, a construção da frente ampla e democrática, o protagonismo eleitoral em 2018, inclusive com a possibilidade de candidatura própria, mas com abertura para que, dessa frente, saia uma chapa que expresse um programa com elementos como os que acima foram registrados. Em meio a tudo isso, continuamos nas mobilizações, de vários tipos e em distintos ambientes, para tentarmos barrar as nefastas reformas da Previdência e trabalhista. Há muito a ser feito para que nos iludamos com salvadores da pátria.

 

1 Cientista Político e Sociólogo da Universidade Federal de Uberlândia; Presidente do PCdoB Uberlândia.

2 Cf., por exemplo, a matéria “Lula lidera em todos os cenários, diz CNT/MDA, disponível em https://www.cartacapital.com.br/politica/lula-lidera-eleicoes-de-2018-em-todos-os-cenario-diz-cnt-mda .

3 Resolução política do Comitê Central do PCdoB de defesa da construção da frente ampla e democrática, disponível em http://www.pcdob.org.br/documento.php?id_documento_arquivo=363 ,