Em vez de medidas para reaquecer economia, Temer prefere a entrega de setores estratégicos, como geração e distribuição de energia, ao capital estrangeiro

Dentre as razões do golpe de 2016 que destituiu a presidente Dilma – democraticamente eleita –, encontrava-se a prometida reorganização das finanças públicas. No último mês de setembro, a dívida bruta do setor público foi de R$ 4,8 trilhões, representando 73,9% do valor do Produto Interno Bruto (PIP), ao passo de que em setembro de 2016 era de 4,3 trilhões (70,7% do PIB). Ou seja: em 12 meses, a dívida bruta pública cresceu 500 bilhões de reais.

Pela proposta orçamentária do governo Temer para o ano de 2018, a dívida pública deverá alcançar quase 79% do PIB, situando-se, em 2020, em 80,7% do PIB. Mas pela Instituição Fiscal Independente (IFI), por exemplo, a dívida bruta do setor público pode chegar a representar 100% do PIB em 2020.

Em vez de preocupar-se com a retomada do crescimento econômico, o que permitiria ampliar o nível da produção e do emprego, com a imediata elevação da arrecadação fiscal para fazer frente ao conjunto das despesas públicas, a orientação da política econômica do governo de Michel Temer segue a lógica do desmonte do Estado brasileiro. Por mais cortes de gastos promovidos e que desanimam a economia nacional, postergando a retomada do crescimento da produção em bases sólidas, a dívida bruta do setor público segue em alta, pois passou de R$ 3,2 trilhões (59% do PIB), em 2014, para R$ 4,8 trilhões (76% do PIB), em 2017. Em síntese, a dívida pública cresceu R$ 1,5 trilhão desde 2014, ou seja, 500 bilhões de reais por ano.

O desmonte do Estado tem sido percebido por várias dimensões. Uma delas tem sido o processo de desfazimento do setor produtivo estatal, com a privatização nos segmentos energia elétrica e petróleo e gás, bem como o abandono das políticas de conteúdo local. Agora ainda mais, com o recente decreto 9.188 das estatais de Temer, que oficializa a privatização generalizada por meio do regime especial de venda dos ativos das empresas de economia mista, como Petrobras, Eletrobras e outras.

No âmbito do orçamento do governo federal também fica clara a evolução do desmonte do Estado pela lógica da asfixia dos recursos para as políticas públicas, sobretudo sociais. Para o ano de 2018, por exemplo, a proposta orçamentária estabelecida segunda a Emenda Constitucional responsável pela limitação dos gastos da União ao teto da inflação do ano anterior, várias políticas públicas apontam para o desaparecimento, assim como a própria insignificância do investimento público.

Nos casos de políticas sociais como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Bolsa Família, o Ensino Superior, a Ciência e Tecnologia, os investimentos do Plano de Aceleração do Crescimento – PAC, as ações de combate ao racismo e o Sistema Único de Assistência Soical (SUAS), as evidências da asfixia de recursos públicos parecem inegáveis.

Se o Congresso nacional validar, o PPA terá, por exemplo, R$ 750 mil disponíveis para o ano de 2018, enquanto em 2015 eram da ordem R$ 609 milhões os recursos disponíveis.

No caso do Bolsa Família, o orçamento para o ano de 2018 reduz em 11% recursos (R$ 3,3 milhões), o que equivale à retirada do programa de cerca de 2 milhões de famílias beneficiadas. No caso do Ensino Superior, as universidades públicas terão encolhido o orçamento para R$ 5 bilhões em 2018, quando em 2015, por exemplo, atingia a R$ 15 bilhões.

Para as políticas de Ciência e Tecnologia, a redução parece ser ainda mais drástica, com a diminuição para R$1,3 bilhão do seu orçamento no ano de 2018. Isso equivale a apenas 22,4% do que foi destinado em 2015 (R$ 5,8 bilhões).

Nessa mesma marcha, o conjunto dos investimentos públicos sofrem radical contenção. No caso do PAC, por exemplo, a proposta orçamentária de 2018 prevê apenas R$ 2 bilhões para investimentos, sobretudo em obras de infraestrutura, enquanto eram de R$ 33 bilhões no governo Dilma.

Nas ações de combate ao racismo, a proposta orçamentária para 2018 aponta para uma queda de R$ 8,4 milhões no total de recursos. Ou seja, uma diminuição de 1/3 dos recursos aplicado em 2017 (R$ 25 milhões).

O desmonte segue com o Sistema Único de Assistência Social que tem redução de 60,6% na proposta orçamentária de 2018 em relação à de 2017. Assim, por exemplo, o recurso para a estruturação da rede de serviços de proteção básica reduz-se em 97,2% (de R$ 7,1 milhões para 200 mil reais), enquanto os recursos para os Serviços de Proteção Social Básica decrescem 93,8%, de quase R$ 1,3 bilhão para R$ 800 mil.

Com 8,2 mil Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e cerca de 600 mil trabalhadores para atender próximo de 30 milhões de famílias e pessoas em situação de vulnerabilidade social (moradores de rua, idosos, crianças, imigrantes, entre outros), o SUAS corre o sério risco de se inviabilizar. Em síntese, a concretização de que a contenção dramática de recursos do governo Temer desmonta o Estado no Brasil.

Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Publicado em Rede Brasil Atual