Nós, economistas, somos extraordinários profetas – mas do passado, só do passado. E temos dificuldades até com o passado, pois no Brasil também o passado é muito difícil de prever.

Há exceções, porém. Em artigo publicado nesta coluna em junho, há três meses, arrisquei algumas previsões eleitorais. Escrevi o seguinte: “Nenhum candidato remotamente associado a Temer e ao golpe de 2016 tem chances de vencer a eleição de outubro. (…) O favoritismo parece ser de candidatos de esquerda/centro-esquerda. Bolsonaro, único candidato competitivo pela direita, pode chegar ao segundo turno, mas dificilmente vencerá a eleição. (…)”

“Tudo indica que a candidatura de Lula não será permitida. Um candidato indicado por ele, porém, tende a ser forte (…) Ciro Gomes também é um candidato forte de oposição, tem vasta experiência, está com discurso afiado e evolui favoravelmente nas pesquisas de intenção de voto”. (O Brasil não quebrou, 13 de junho de 2018)

Essas previsões sobreviveram bem até agora. Talvez parecessem otimistas na época, mas hoje são amplamente compartilhadas. Com Haddad indicado para cabeça de chapa pelo PT, completa-se o rol dos candidatos à Presidência. Ele entra tarde, mas com a força de quem representa Lula. Ciro também vem crescendo. Um dos dois enfrentará Bolsonaro no segundo turno.

Assim, é muito provável que o eleitor brasileiro se defronte com uma disjuntiva dramática: civilização ou barbárie? E é por isso que a eleição de outubro está sendo vista por muitos como a mais importante desde a redemocratização.

Antigamente, a esquerda, mais confiante, ousava proclamar em situações semelhantes: socialismo ou barbárie? Foi-se o tempo. O horizonte dos adversários da barbárie estreitou-se consideravelmente. As ambições são mais modestas. Civilização, não mais socialismo.

Quando alguém no Ocidente fala em “civilização”, subentende-se, de alguma forma, o conceito iluminista de civilização e organização da sociedade. A concepção moderna de civilização tem suas raízes principalmente nos filósofos franceses do século XVIII e na Revolução de 1789. 

O que impressiona, leitor, é a resiliência do iluminismo. Desde o século XIX, forças tremendas ergueram-se contra ele, com a pretensão de fazê-lo recuar, de restaurar o passado, ou – os mais ambiciosos – de ultrapassá-lo.

Todo o romantismo foi, na essência, uma apaixonada rebelião contra o iluminismo. Marx pretendia superar o iluminismo burguês. Nietzsche desconstruiu, de forma brilhante, muitas das ilusões e simplificações iluministas.

E, no entanto, a verdade é que os diferentes adversários do iluminismo tiveram, digamos, algumas dificuldades históricas. Marx, os românticos e Nietzsche não têm muita culpa pelo que fizeram em seus nomes.

Mas o marxismo desembocou em Stalin e, mais tarde, no colapso do socialismo real. Nietzsche e os românticos acabaram associados ao nazismo. Por mais brilhantes e fascinantes que as diferentes alternativas ao iluminismo tenham sido, os seus resultados foram bem problemáticos, para dizer o mínimo. De todas essas aspirações nascemos órfãos.

Há 60 anos, Sartre ainda se sentia em condições de declarar, taxativamente: “O marxismo é a filosofia insuperável do nosso tempo”. Hoje, com muito mais razão, poderíamos parafraseá-lo e dizer: “O iluminismo é a filosofia insuperável do nosso tempo”, com tudo que ele inclui ou lhe foi acrescentado nos últimos dois séculos: democracia representativa, sufrágio universal, separação dos poderes, Estado de Direito, garantias individuais e direitos sociais básicos.

Digo isso com uma ponta de tristeza. Afinal, é lamentável que, depois de dois séculos de reflexão, experiência e aventuras, o iluminismo, mesmo aperfeiçoado e desenvolvido, ainda tenha o papel que tem. Sabemos das suas limitações, da sua estreiteza, conhecemos os seus pontos cegos, as suas lacunas. Ele promete pouco e entrega pouco.

Mas é o que temos. Um iluminismo tardio, maduro, desencantado é o anteparo contra as hordas bárbaras – não só no Brasil, mas em grande parte do mundo ocidental, acossado pela degeneração da democracia, pelo populismo de direita, pela xenofobia e pela regressão cultural.

Paro e releio o que escrevi. Acho que viajei. Não era para falar tanto e nem ir tão longe. Eis, em resumo, o que é preciso dizer agora: Fora Bolsonaro!

Publicado em Carta Capital