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Renato Rabelo: a reestruturação produtiva e o trabalho

24 de junho de 2019

Artigo de Renato Rabelo

Por Renato Rabelo

Segundo Karl Marx, as Revoluções Industriais têm sido mais revolucionárias na transformação das sociedades que os próprios maiores revolucionários de cada época. Essas revoluções produzem mudanças disruptivas na formação das forças produtivas, que modificam as relações de produção e levam a transformações na superestrutura estatal, no Estado, nas suas instituições e nas relações sociais.

Em nossa época, com a chamada 4ª Revolução Industrial, as mudanças vão sendo mais drásticas e mais velozes – um verdadeiro mix de tecnologias – que constituem na continuação do desenvolvimento da 3ª Revolução Industrial, com a internet das coisas, a computação quântica, as redes 5G, a nova forma acumulação de energia, tendo como marca saliente (disruptiva) a inteligência artificial, máquina adequada a um sistema cognitivo.

Em termos gerais, a Indústria 4.0 compreende a ideia de fábricas inteligentes com máquinas conectadas em rede e a sistemas que podem visualizar toda cadeia produtiva, podendo tomar decisões por si só. Surgem novas formas de conectividade de máquinas com máquinas e de máquinas com as pessoas – os robôs colaborativos e as impressoras 3D.

Etapa do capitalismo contemporâneo que emerge a Revolução 4.0

Se se considera o capitalismo desde o pós-Segunda Guerra – políticas de regulação e compromisso social – a etapa atual se distancia dessa perspectiva. Vive-se hoje o sistema do capitalismo financeirizado – capital a juros, capital fictício e rentismo.

A financeirização impõe de forma sistêmica a subordinação do Estado, inclusive do seu orçamento e da sua dívida, aos desígnios da exclusiva valorização do capital (Superávit primário, papel dos BCs). Marx previu e tratou essa Etapa como as formas mais “desenvolvidas” do capital, próprio do seu desenvolvimento orgânico, não sendo um atraso ou uma deformação do capitalismo.

A financeirização tornou-se o centro, o polo dominante, precisamente, a finança tornou-se onipresente, normal e geral na atual etapa capitalista.

Em seu movimento de expansão o capital tende a se descolar das bases que asseguram o seu próprio processo de valorização. Não só porque o capitalismo “desqualifica” sistematicamente a força de trabalho, mas porque o emprego crescente da máquina torna sua participação (Força de Trabalho) cada vez mais dispensável.

Marx, nos Grundrisse, vislumbrou esse momento do avanço dos métodos capitalistas de produção, quando tornaria o tempo de trabalho uma “base miserável” para valorização da imensa massa de valor do capital.

A ciência e a tecnologia ao acelerar e transformar o processo de valorização do capital, por outro lado, desencadeia um processo de desvalorização do trabalho.

Desse modo, o dinheiro-capital realiza o seu conceito de valor que se valoriza e busca acrescentar seu valor sem mediação da mercadoria força de trabalho. D-M-D’ se converte em D-D’. O sistema capitalista acaba estreitando a base sobre a qual se apoia esse processo de valorização do capital. Antônio Ermírio grande empresário da produção, já falecido, afirmava: “Uma razão para o governo baixar os juros é tirar essa gente, esses novos ricos, da vida mansa dos juros e obrigá-los a fazer força, a gerar riqueza para que o PIB brasileiro ande para frente”.

A síntese é que a atual etapa do capitalismo financeirizado, globalizado, e autonomizado – na sua Quarta Era tecno-cientifica – engendra maior avanço do capital fictício, do rentismo. Ou melhor, as tecnologias da Quarta Revolução Industrial (QRI) não são neutras, estão sendo utilizadas para impulsionar o capitalismo financeirizado.

A sociedade que desponta da financeirização, nas condições da QRI

Em termos aproximados estamos num curso de uma sociedade capitalista na qual os detentores da riqueza financeira acumulam valor, produto do aumento da produtividade (“tempo livre”), sob a forma de capital fictício – direitos sobre a riqueza e a renda — estes são os bem-sucedidos.

Enquanto isso os mais fracos são “liberados” do trabalho – sofrem ameaça permanente do desemprego, da crescente precariedade das novas ocupações, da queda do salário real, do aumento exponencial da desigualdade e da exclusão social, que pode se transformar numa grande ameaça, com o descarte desses excluídos, ditos indesejáveis.

Os rápidos avanços tecnológicos provocarão fortes impactos, já em curso, sobre as empresas – vasta pressão competitiva, falências, fusões, maior concentração e centralização do capital em grandes consórcios financeiros e seus conglomerados empresariais. Por sua vez, o trabalho humano sofre um impacto violento, que o atinge de forma sistêmica.

A chamada Quarta Revolução Industrial, com o mix tecnológico mencionado, vai cortar milhões de postos de trabalho, segundo relatório apresentado pela entidade que organiza o Fórum Econômico Mundial de Davos.

O processo que vai se instalando é de precarização laboral crescente, trabalho intermitente, sem vínculo formal com as empresas, perda completa de direitos e desemprego estrutural, vide a situação em nosso país. Daí a aprovação da Reforma Trabalhista no Brasil, que vai em direção a esta nova forma de relação capital/trabalho.

O que já vem acontecendo em forma crescente é a substituição do trabalho pela automação. Atualmente, no Brasil, mais de 70% do trabalho veem da área de serviços, e precisamente é aí que as funções desaparecerão, porquanto podem ser totalmente automatizadas. E assim vários tipos de trabalho e profissões com automações total ou parcial.

O Brasil está atrasado na marcha da Revolução 4.0, não está preparado tecnologicamente. Mas se não modernizar a sua produção, retomando seu processo de reindustrialização aumentará extremamente sua defasagem em relação aos países líderes, podendo sair do bloco das dez maiores economias do mundo.

A concorrência impõe aos capitalistas a ditadura do tempo de trabalho socialmente necessário e, simultaneamente, os obriga à busca incessante de sua redução para ganhar a dianteira.

Os avanços tecnológicos que modernizam a base material da sociedade não podem ser barrados, fazem parte da criatividade da inteligência humana, são engrenagens que permitem o desenvolvimento humano em todos os sentidos, são avanços materiais que engendram o aprimoramento crescente das formações políticas e econômico-social das sociedades.

Em função de uma exigência histórica, contudo, essa evolução técnica-cientifica contemporânea deve estar voltada para construção de uma sociedade que assegure a emancipação social, o desenvolvimento e a prosperidade nacional, o avanço civilizacional e a paz entre os povos e países.

Diante dessa realidade de grandes desafios: surge a questão da alternativa

Nos marcos do capitalismo, nas condições expostas, a luta pela valorização do trabalho ocupa uma centralidade, e deve compreender uma ação sistêmica, em relação à objetivos maiores: os trabalhadores através de seus sindicatos, das centrais sindicais e seus partidos devem lutar na atualidade por um Projeto de país, que abra caminho para uma outra sociedade, que suplante a financeirização, o rentismo, e coloque a Revolução 4.0 à serviço de toda sociedade.

No curso da luta, desde já, torna-se premente o debate e o conhecimento entre os trabalhadores, através de suas organizações acerca da QRI, para que possam influir na aplicação e rumos da nova tecnologia e de suas inovações. O cenário que vai sendo desenhado de maior precarização do trabalho e taxas de desemprego inquietantes coloca novos desafios sobre o próprio modelo das organizações sindicais.

As bandeiras de luta de maior alcance, sempre vinculadas aos anseios dos trabalhadores, vão sendo destrinchadas e compatibilizadas conforme a realidade de cada país: a luta estratégica pela redução da jornada de trabalho; uma inovação, a tributação de cada robô instalado nas empresas e em qualquer setor, como meio para formar uma nova lógica para o financiamento da seguridade social; um programa universal de renda mínima para compensar a maior perda de empregos.

E diante do novo contexto produtivo que busca desvincular os trabalhadores de sua organização coletiva e individualizar os direitos, o DIEESE considera que: nessa situação como os sindicatos atraírem o “trabalhador digital”, como organizá-los, como realizar o financiamento sindical e a negociação coletiva, conclui que tudo isso deva ser remodelado e adaptado.

Além disso, a questão essencial da comunicação, novos instrumentos para mobilização, organização e formação dos trabalhadores, sobretudo do uso eficaz das redes sociais entre os trabalhadores e na relação com a sociedade.

Enfim, diante de: 1) Um sistema de capitalismo financeirizado; 2) Nas condições que advém de uma chamada QRI, a serviço desse sistema; 3) No contexto de uma transição pelo domínio do poder mundial, a questão da ALTERNATIVA a seguir ocupa uma centralidade na luta por uma nova sociedade.

No trabalho conjunto de 5 Fundações – a Fundação Mauricio Grabois, a Fundação João Mangabeira, a Fundação Perseu Abramo, a Fundação Leonel Brizola/Alberto Pasqualini e a Fundação Lauro Campos — apresentado no ano passado, no esforço de contribuir para o debate eleitoral em 2018, elaborou um Manifesto conjunto, tendo em vista: superar a grave crie brasileira e distinguir um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento destinado ao Brasil atual – um Projeto desenvolvimentista em novas bases para reconstrução do Brasil. Questão que se tornou mais atual e candente.

O programa de 2009, do PCdoB, já indicava o caminho estratégico, compreendido na indicação de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, como o meio de se alcançar à transição socialista no Brasil.