Quando em julho 1921 um pequeno grupo de pessoas se reunia na já então cosmopolita cidade de Shangai para realizar o Primeiro Congresso do Partido Comunista da China, seria difícil imaginar que naquele momento estava sendo criado um poderoso instrumento de organização política que poucos anos depois seria decisivo para a transformação do destino da China e para o fortalecimento da unidade do seu povo. 99 anos depois daquele ato inicial, é instigante perceber como a condução e as conquistas atuais do país estão diretamente relacionadas com o plantio daquela semente histórica.

A transcendência desse protagonismo está bem sintetizada nos versos de uma canção muito conhecida e entoada em qualquer recanto do país por pessoas de todas as idades: ‘Se não existisse o Partido Comunista, não existiria a Nova China’ (Meiyou Gongchandang jiu meiyou Xin Zhongguo). Nessa longeva e milenar China, o adjetivo “Nova” presente nos versos da referida canção significa, essencialmente, o reconhecimento popular de que o Partido foi a peça-chave para o estabelecimento de uma nação unida e a edificação de um país soberano. Indubitavelmente, dois memoráveis feitos que ajudam a atender porque os chineses seguem tão determinados na construção do seu país e tão confiantes em relação ao seu futuro.

 

Olhando-se em retrospectiva para esses 99 anos, logo se percebe que apesar das grandes conquistas, o caminho trilhado pelo Partido desde o seu surgimento tem sido árduo e desafiador. Aliás, desde a sua fundação até hoje, o enfrentamento de grandes desafios tem sido uma constante na vida do Partido.

Nos seus primeiros anos, sua principal missão foi a de organizar os trabalhadores do campo e da cidade para o curso da luta política e social, tanto interna quanto externa. Naquele início, o êxito da Revolução de Outubro de 1917 na Rússia certamente ajudou a impulsionar os ânimos das primeiras lideranças chinesas do Partido. No entanto, como demonstrou depois o curso da realidade histórica, sua trajetória seria marcada por muitos reverses e grandes sacrifícios.

O Primeiro Congresso realizado em Shanghai em julho de 1921 contava com apenas 12 delegados, que ali representavam pouco mais de 50 membros espalhados pelo restante país. E entre esses 12, além de líderes fundadores como Chen Duxiu e Li Dazhao, estava também presente o jovem Mao Zedong, que ali representava Hunan, sua província natal. Como se sabe, Mao foi uma liderança-chave na condução da vitória da China, tanto na unidade do povo chinês na guerra contra a ocupação japonesa, quanto na implantação da República Popular em primeiro de outubro de 1949, da qual se tornou o seu primeiro presidente. 

Uma curiosidade daquele Primeiro Congresso é que, apesar de ter sido iniciado em Shanghai, teve o seu encerramento dentro de um barco, em um lago na cidade de Jiaxing, na província de Zhejiang, onde agora vivemos. Isso tudo devido a uma perseguição policial montada para a prisão dos seus líderes.

Lembremos ainda que o Partido surge em um contexto histórico delicado, onde a China atravessava uma situação política e social muito caótica. Na época, o que realmente estava em jogo era não somente a existência do país, mas o destino do seu próprio povo. Aliás, esse quadro foi muito bem descrito em umas reflexões escritas em 1924 (As Conferências) por Sun Yat-sen, primeiro presidente do país depois da queda da última dinastia, no final de 1911 e o início de 1912. Assim ele resumia o quadro: “Nós somos o Estado mais pobre e fraco do mundo (…). Nossa posição agora é extremamente perigosa (…); se nós não promovermos seriamente o nacionalismo e mantivermos juntos nossos quatrocentos milhões de chineses numa nação poderosa, estamos diante de uma tragédia: a perda de nosso país e a destruição de nossa raça”.

Na verdade, essa decomposição social do país era o desfecho de uma situação que se agravava desde os anos 40 do século 19, quando a decadente dinastia Manchu teve que aceitar várias situações vexatórias impostas por forças estrangeiras. A mais humilhante destas foi sem dúvida o arrebatamento de Hong Kong pela Inglaterra, depois de uma série de batalhas que entrou para História como as Guerras do Ópio (1839 – 1842; 1856 – 1860).

Não menos humilhante, foi o desfecho da famosa Conferência de Versalhes (1919), realizada na França pelas potências europeias com o objetivo de reorganizar o controle sobre o mundo depois da trágica Grande Guerra (1914-1918). Apesar de ter participado dessa Guerra ao lado das forças vencedoras, a China saiu daquela Conferência com uma grande derrota.

 

Cartaz comemorativo de 99 anos da Revolução

As concessões alemãs na província de Shandong, ao invés de serem devolvidas para China, foram concedidas ao Japão, despertando a revolta de muitos chineses, especialmente entre os mais jovens. O conhecido Movimento 4 de Maio (1919) foi uma forte resposta contra essa situação de controle externo. Em resumo, a China daquele período era um país internamente dividido e externamente sufocado. E é diante desse contexto e com esses desafios que o Partido surge e dá os seus primeiros passos.

Vale salientar ainda que ao longo desses 99 anos, o Partido passou por muitas histórias delicadas e desafiadoras, como por exemplo a épica travessia da Longa Marcha (1934-1936), a superação de guerra civil e a vitória contra a já mencionada tentativa de ocupação japonesa.

Penso que nesse trajeto um dos momentos mais cruciais foi por ocasião da Conferência de Zhunyi, realizada em janeiro de 1935 na referida cidade, localizada na bela e montanhosa província de Guizhou. No caso específico dessa Conferência ampliada ocorrida em plena Longa Marcha, houve uma mudança decisiva para os rumos do Partido, não apenas devido o fortalecimento da liderança do presidente Mao, mas sobretudo porque a partir daquele momento passa a predominar no pensamento do Partido uma identidade cada vez mais chinesa e em consonância com a realidade e os desafios histórico do país naquele momento.

Despois da chegada ao poder em 1949, os desafios passaram a ser de outra natureza, porém igualmente grandiosos. Nos primeiros anos da República Popular, além de necessidade de se garantir a subsistência de milhões de pessoas, era preciso abrir no cenário internacional um caminho próprio dentro de um mundo até então dividido entre duas grandes potências. Nesse campo específico das relações internacionais, o papel desempenhado pelo premiê Zhou Enlai foi fundamental.

O processo de Reforma e Abertura, iniciado por Deng Xiaoping no final dos anos 70, é outro capítulo especial que merece ser destacado nessa linha do tempo. E, atualmente, sob a liderança de Xi Jinping, o Partido tem como propósito maior a construção do sonho chinês de revitalização da nação, expresso em duas grandes metas. A primeira, para o próximo ano, 2021, quando o Partido espera comemorar o seu centenário anunciando a conquista de um padrão de vida geral moderadamente próspero, o que implica um feito grandioso de eliminação da extrema pobreza em todo o país. A segunda, estabelecida para 2049, onde a China espera se firmar como um país socialista moderno, próspero, democrático, civilizado e harmonioso e assim, comemorar em grande estilo o aniversário dos cem anos do estabelecimento da sua República Popular.

Ao longo desses 99 anos de existência, independentemente das conquistas ou dos retrocessos, dois elementos estiveram sempre presentes na mente dos seus principais dirigentes: o país e seu povo. As ações para a eliminação da extrema pobreza é uma ação nesse sentido. Mas talvez a grande lição dessa rica história é que com o Partido a China encontrou um rumo.

Artigo originalmente pelo Diário do Povo. Pequim, em 1º de julho de 2020