O consumo de produtos processados e de fast-food só tem aumentado: do Nepal ao Cairo; do Camboja à Bangladesh; do Brasil ao Japão. O relatório, sem nenhuma prova empírica, afirma que a saúde humana piorou devido ao consumo desses produtos. Entre outras medidas, propõe: implementar incentivos comportamentais baseados em políticas de impostos e subsídios cuidadosamente projetados e focados no consumidor; promover um maior conhecimento sobre as implicações das escolhas alimentares.

Essas propostas atrasadas e ultrapassadas já foram feitas e não resolveram o suposto problema. Sem embargo, pergunta-se: como influenciar, baseado em escolhas individuais, que por suas razões, são derivadas de metas de saúde pessoais, em um universo de nove bilhões de consumidores, em uma produção de alimentos processados demasiadamente oligopolizada? Assim como no consumo de plásticos, coloca-se a culpa nos consumidores e não nos produtores. Não se pode uniformizar o não uniformizável. Como normatizar o comportamento, não só individual, mas também, de padrões de consumo dos diferentes países? Como paradigmatizar o consumo dentro dos países, sobretudo aqueles com avultadas disparidades regionais e de renda? Como fazer simétricas as assimetrias culturais e políticas? E mais, qual referência a seguir?

Um exemplo dessa tentativa infrutífera de estandardização alimentar é o pão integral. Em quase totalidade, esse alimento não tem índice de saudabilidade maior que o dito não integral. É uma inutilidade comprar tanto um pão integral quanto um sorvete ou suco de laranja com baixo teor de gordura achando que são alternativas mais saudáveis. Os departamentos de marketing das empresas elaboraram rótulos tão confusos que 50% dos consumidores não sabem o que é “mais saudável”. Assim, existem três fatores medulares para essa confusão: (i) a noção de “mais saudável” é subjetiva. Um vegetariano considera a carne como prejudicial à saúde, enquanto um gaúcho e um texano não; (ii) qual a quantidade de sal e açúcar ideal para uma pessoa em comparação com outra pessoa da mesma sala de aula da faculdade? As recomendações de sal, por exemplo, são baseadas apenas na correlação usando métricas no nível da população e não individual; (iii) não há alimento melhor ou pior que outro. Quem quiser comer um pão como se fazia dois mil anos atrás, não tem problema. Porém, não pode evangelizar que isso o deixará mais ou menos saudável. Todo pão, integral ou não, é comida processada.

Mas, as pessoas estão cada vez mais com sobrepeso? Sim, claro, por méritos das benesses da agricultura moderna. Pela primeira vez na história, os mais pobres podem evitar a fome, e são capazes de escolher um cachorro-quente de 1,5 kg no jantar. Contudo, passar fome não é escolha. Dessa maneira, as redes de Fast Food, em 2019, faturaram US$ 650 bilhões[2]. A maior rede, em unidades, é a Subway com 41 mil lojas em todo o mundo. Da África à Rússia, essas redes ajudaram a formatar as cadeias de fornecimentos de matéria-prima agrícola. 

Esse ramo, contudo, foi muito condenado nos anos de 1990, sobretudo devido aumento da obesidade no mundo. Em 2016, estavam com sobrepeso 1,9 bilhão de pessoas adultas (39%)[3]. Com isso, o sal, o açúcar e a gordura dos fast-foods viraram vilões. Em 1954, um hambúrguer pesava, em média, 110 gramas. Em 2006, o peso alcançou 340 gramas. Em 1955, os copos de refrigerantes eram de apenas 200 ml. Atualmente, em certas redes, um copo tem mais de um litro. Para ganharem mais, as lojas aumentaram o regime de porcionamento para os famosos “combos”.

À vista disso, não seria mais fácil regular a produção e a comercialização? Regulamentou-se a gordura trans e o imposto do cigarro. Houve avanços significativos. Recentemente, o governo britânico estabeleceu um conjunto de regras para os estabelecimentos que vendem gêneros alimentícios processados para coibir de maneira mais significativa o teor de sal, açúcar e gordura no Reino Unido[4]. Então, por qual justificativa, no Brasil, não se criam parâmetros para as empresas executarem, do contrário, seriam penalizadas e multadas? Para tanto, realizar um programa de modelamento alimentar em um país continental, uma das abordagens poderia ser da “Geoeconomia Verde”[5]. Esse enfoque torna-se fundamental para entender as transformações econômicas, geopolíticas e ambientais no país, principalmente em um de seus pilares: o resgate central da Geografia. Por enquanto, prefere-se gastar rios de dinheiro público com campanhas comportamentais.

* Roberto Cesar Cunha – Geógrafo (UFMA), Mestre e Doutor em Geografia (UFSC)

 [1] Disponível em: <https://foresight.glopan.org/>. Acesso em: 25 fev. 2021.

[2]  Disponível em : < https://www.researchandmarkets.com/reports/5118788/fast-food-market-by-type-and-end-user-global?utm_source=BW&utm_medium=PressRelease&utm_code=hbb69b&utm_campaign=1414178 – Fast Food Industry Analysis and Forecast 2020-2027&utm_exec=joca220prd>. Acesso em: 25 fev. 2021.

[3]  Disponível em: < https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/obesity-and-overweight>. Acesso em: 25 fev. 2021.

[4]  Disponível em: <Restricting promotions of products high in fat, sugar and salt by location and by price: government response to public consultation – GOV.UK (www.gov.uk)>. Acesso em: 25 fev. 2021.

[5]  Disponível em: < https://imirante.com/oestadoma/noticias/2020/01/30/nota-sobre-geoeconomia-verde/>. Acesso em: 25 fev. 2021.