Em meio a uma devastadora pandemia, o governo federal, movido por uma necessidade quase doentia, de destruir o serviço público, e abrir caminho para a entrada de setores empresariais em todas as áreas dessa esfera, conduz, a toque de caixa, um monstrengo que ele (o governo) chama de “reforma administrativa”.

O nome “reforma” serve, em boa medida, para receber um tratamento menos agressivo dos principais atingidos por ela, os servidores públicos; para ser bem apreciado pela massa de trabalhadores do setor privado, hoje em estado de alerta permanente devido ao potencial desemprego; para receber o beneplácito dos meios de comunicação e seus articulistas, boa parte deles “papagaios” das empresas do mercado financeiro; e da horda política que defende o enfraquecimento do Estado exatamente para poder negociar, à vontade, ganhos possíveis no futuro, pois é assim que funciona o “liberalismo” tupiniquim.

É uma guerra suja, em que o ministro da Economia, que tem verdadeira ojeriza por servidor público, é o principal articulador de campanhas publicitárias que martelam diariamente a sociedade, apresentando o servidor público como um “privilegiado”, um “carrapato” que vive “chupando” o sangue dos trabalhadores da iniciativa privada, pois, sem os servidores públicos, o governo teria mais dinheiro para fazer investimentos na sociedade. Uma ladainha tão antiga quanto as naus portuguesas que cruzaram os marés em busca de novas terras para a Coroa, e isso já faz um certo tempo.

A melhor forma de jogar uma categoria contra a outra é potencializar as distorções existentes nelas e apresenta-las como uma característica geral, ou seja, para se “consertar” as distorções, é necessário destruir tudo que existe e “reconstruir” o serviço público, mesmo que seja a partir da nova leva de servidores públicos contratados, o que é uma mentira escandalosa, pois os efeitos da “reforma administrativa” atinge o passado, o presente e o futuro, como uma espécie de lâmina que corta a carne dos velhos, novos e futuros servidores públicos.

Mas, há, de fato essa casta tão cheia de privilégios, que ganham fortunas e que vivem nababescamente e que, por isso, a “reforma” é, na verdade, justa e democrática. É uma infâmia desqualificada e os dados contidos no Atlas do Estado Brasileiro, organizado pelo insuspeito Instituto de Pesquisas Econômicas (IPEA), servem para desmontar esse estratégia grotesca, mas que é extremamente venenosa.

De acordo com esse Atlas, atualizado até 2019, apenas 1,9% dos servidores públicos federais recebem acima de R$ 30 mil; 0,4% dos servidores públicos estaduais estão acima dessa linha; e nenhum servidor público municipal está na faixa dos “marajás”. Na outra ponta, 57,8% dos servidores públicos municipais recebem menos de R$ 2.500, e nessa faixa estão 29,9%; e 9,5% dos servidores públicos federais tem essa baixa faixa salarial.

Olhando mais detidamente os dados levantados pelo IPEA, apenas focado na questão de salários, é muito nítido que o conjunto dos servidores públicos, longe de estarem em altas faixas salariais, acima de R$ 10 mil, por exemplo, estão situados nas faixas abaixo delas. O setor público federal, que nos últimos anos conseguiu organizar carreiras e, de alguma forma, uma certa recuperação salarial, tem 58,6% dos servidores nas faixas que estão abaixo dos R$ 10 mil; no caso dos servidores públicos estaduais, chega-se a 89,2% e no que se refere aos servidores públicos municipais, chega-se a 97,4% com remuneração abaixo dos R$ 10 mil.

Os números e indicadores saltam aos olhos, mas são distorcidos pelo governo e seus apoiadores, e como estes dispõem de forte aparato midiático, a luta para o debate qualificado perde espaço para a disseminação de mentiras. O governo, de forma criminosa, se aproveita do cenário para encaminhar suas posições destrutivas e, nesse caso, sem condições de conduzirem intensas manifestações contra a “reforma”, as centrais sofrem para poder brecar esse processo destrutivo, restando a tática da tentativa de mostrar à sociedade que o serviço público é fundamental para o atendimento das demandas da sociedade, e que os servidores públicos são peça chave para o bom funcionamento desse sistema.

A “reforma” vem avançando no parlamento, e até o presente desenha-se um cenário nada animador, mas uma intensa mobilização de centrais, confederações, federações, sindicatos, movimentos, associações de classe, partidos progressistas e todos aqueles que querem impedir a destruição do serviço público, pode virar o jogo.

Wellington Duarte é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Gande do Norte – UFRN, doutor em Ciência Política e presidente do Sindicato dos Professores da UFRN (ADURN-sindicato)

Originalmente publicado no Portal Vermelho