Autor de mais de uma vintena de livros, ao menos 6 deles publicados na Argentina, Luiz Alberto Moniz Bandeira é um inteletual brasileiro incansável em suas investigações. Sua última produção, lançada em português em outubro último, se chama nada menos que: “A Desordem Mundial”. Até aquele momento, as chances de êxito pareciam favorecer a Hillary Clinton. Para Moniz, que vive na Alemanha há anos –onde foi professor na Universidade de Heidelberg– a eleição de Donald Trump deixou “desorientada a elite europeia”. Ela se havia julgado, como o resto do establishment internacional, pela opção de Hillary. O historiador, que conta em sua prolífica obra com um minucioso trabalho sobre as relações do Cone Sul com E.U.A: “Brasil, Argentina e Estados Unidos (Da Triplice Aliança ao Mercosul)”, disse em uma entrevista com o Clarín que um governo de Trump não dará uma “atenção” à região. Sustenta que a emergência do multimilionário estadunidense, como o líder de seu país, deve entender-se a partir da situação interna norte-americana, com um “crescente endividamento” e gastos “gigantes” nas guerras do Afeganistão e Iraque.

Q: Em seu livro mais recente, “A desordem mundial”, você aborda todos os aspectos da geopolítica atual. Desse lugar, você se sentiu surpreso com o surgimento do presidente eleito Donald Trump? Você acha que pode ser uma versão atualizada do ex-presidente George Bush?

– Não fiquei surpreso com a vitória de Donald Trump. Tudo indicava que Hillary Clinton, apoiada por Wall Street e os meios de comunicação, poderia ser escolhida. Mas contra ela conspirou a situação econômica e social nos EUA que é muito grave. Há mais de 45 milhões de desempregados, entre 12 e 15 milhões de pessoas sem abrigo e sem recursos para pagar pela comida e seguro de saúde. Em certas regiões, como Louisiania, a pobreza é imensa. No Partido Democrata, apenas Bernie Sanders referiu-se a esse problema, enquanto Hillary prometeu mais guerras. E, em tais circunstâncias, o povo votou em Donald Trump, na esperança de uma mudança, contra o establishment.

Q: O que pode mudar para a Europa a escolha de Trump? Você acha que ele vai reformular as relações dos EUA com a OTAN?

– Imagino que a elite conservadora da Europa, que queria a vitória de Hillary Clinton, está desorientada. E ela terá de repensar a sua política de segurança, se Donald Trump introduzir alterações na OTAN. Mas tudo são hipóteses.

Q: Que margem real de ação teria o presidente dos EUA recém-eleito para essas mudanças?

– Tudo dependerá das relações de poder reais. Os que decidem são Wall Street, o Pentágono pelo aparelho de segurança, o Congresso, etc. As frações fundamentais, cujos interesses são misturados no complexo militar-industrial e quase sempre determinam as decisões do Partidos Republicano e Democrata. No governo, o presidente não faz o que quiser, mas o que pode. E a opinião das pessoas nos Estados Unidos e em outras repúblicas da Europa e América Latina influenciam cada vez menos os governos. Você não pode dizer que a democracia tem avançado no mundo. Pelo contrário, os regimes republicanos cada vez mais tendem a convergir para os regimes autocrático e/ou totalitários, na medida em que o estado de exceção torna-se uma política de Estado.

Q: Como foi a reação da Alemanha?

– A ministra da Defesa da Alemanha, Ursula von der Leyen, dos democratas-cristãos, foi muito agressiva quando declarou a repórteres que Donald Trump deve dizer claramente de que lado está: se da democracia, da justiça e da paz, ou não, em uma referência às manifestações do presidente eleito em favor do diálogo com Vladimir Putin. A chefe de governo Angela Merkel, no entanto, adotou uma atitude amigável. Ela chamou Donald Trump ao telefone, felicitou-o e disse que a Alemanha e os Estados Unidos continuarão unidos pelos mesmos valores. Ela acrescentou que espera encontrá-lo na cúpula do G20, marcada para 7 e 8 de julho de 2017 em Hamburgo. De uma forma ou de outra, Angela Merkel vai sempre para onde o presidente dos Estados Unidos queira, apesar da oposição interna.

Q: Como fica o mapa geopolítico do Oriente Médio com esta irrupção de Trump? Nos dois meses que faltam para assumir pode haver um impasse político norte-americano em relação ao mundo?

– Trump Disse que vai optar por buscar um terreno comum para o diálogo com as nações, não de conflito; É o que indica a aproximação com o presidente Vladimir Putin a fim de chegar perto de um acordo, ao contrário do que aconteceu com o presidente Barack Obama. Em qualquer caso, o que parece é que não se pretende um tipo de guerra como o que Hillary Clinton prometeu.

Q: Como isso vai influenciar Brasil e Argentina, dois países que tinham preferido Hillary Clinton?

– Eu não acho que Trump se ocupe especialmente de Brasil e Argentina; nem do Cone Sul. A perspectiva é que Donald Trump seja, talvez, menos intervencionista; mais isolacionista e protecionista. Verdadeiramente, esta é uma necessidade econômica. A infra-estrutura americana está se deteriorando. A dívida pública é de 19,7 trilhões de dólares em 2016, e a previsão é de saltar para US$ 23,3 trilhões, enquanto o PIB, estimado em US$ 16,9 trilhões em 2016, não vai ser de 18,5 trilhões em 2020. Entre 2001-2016, Washington gastou US$ 4,7 trilhões ou mais nas guerras no Afeganistão e no Iraque, de acordo com um estudo da Universidade de Brown. O economista Jeffrey D. Sachs, da Universidade de Columbia, alertou em um artigo publicado no The Globe Post que os Estados Unidos, por suas “pretensões imperiais” fizeram e ainda fazem grandes investimentos no militarismo, além das suas capacidades, minando a própria segurança nacional. E se eles continuarem com as guerras no Oriente Médio e provocarem uma corrida armamentista com a China, vão declinar cada vez mais.

Q: Você realmente acha que pode haver uma mudança de paradigma na política externa dos EUA?

– É possível. Os Estados Unidos não podem deixar de reconhecer que eles não têm condições de impor um “domínio unipolar”, como os neo-conservadores tentaram e visam desde a dissolução da União Soviética em 1991. Mas é necessário esperar para ter uma idéia mais clara do que vai acontecer. Há muitos atores que influenciam a política externa dos Estados Unidos.

Q: A eleição de Trump significa uma mudança que começa com outros processos de direitização, tais como o Brexit ou a rejeição ao referendo na Colômbia?

– Há uma onda de direita no Ocidente e com Donald Trump vão para o governo a direita do Partido Republicano e o Tea Party. No entanto, não se pode dizer que Hillary Clinton não fosse de direita. Ela é abertamente de direita, a candidata do establishment financeiro dos EUA e da elite conservadora da União Europeia. A rejeição do referendo na Colômbia não está inserido no quadro internacional. Veio de fatores internos.

Eleonora Gosman é correspondente do Clarin em São Paulo

Traduzido de http://www.clarin.com/mundo/Moniz-Bandeira-Trump-Brasil-Argentina_0_1685831515.html por Cezar Xavier