Na opinião de Maud, a Comissão da Verdade brasileira, criada com o objetivo de apurar violações de direitos humanos no país de 1946 a 1988, deve investigar até o fim os acontecimentos, independentemente do que a sociedade decida fazer com os resultados dessa apuração. Para funcionar, a Comissão, aprovada pelo Congresso Nacional em setembro de 2011, só depende da indicação dos sete membros pela presidente Dilma Rousseff.

“Independentemente do que vai acontecer, acho importante ir ao fundo do problema”, disse Maud ao jornal Valor Econômico pouco depois de fazer palestra seguida de debate sobre o seu livro no Laboratório de Estudos sobre Militares do Centro de Pesquisa e Documentação (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio. Segundo ela, abrir os arquivos do regime militar “é uma necessidade científica”.

Durante a palestra, a historiadora disse que a falta desses arquivos foi um forte limitador na preparação do seu trabalho, escrito originalmente como tese de mestrado. Politicamente, evitou dar seu ponto de vista sobre o que deve ser feito após a apuração dos fatos pela Comissão da Verdade — mas disse que, historicamente, as comissões da verdade tendem a se concentrar mais nas vítimas do que nos culpados e que elas não têm o objetivo de “judicializar o passado”.

Propositalmente feita às vésperas do 48º aniversário do golpe que instaurou o regime militar no Brasil em 31 de março de 1964, a palestra-debate manteve, basicamente, um tom acadêmico em meio ao clima de tensão que vai crescendo com a proximidade da data. A historiadora procurou o tempo todo manter um distanciamento científico em relação aos acontecimentos, mas não se negou a dar sua opinião como “cidadã” sobre a legitimidade dos regimes militares.

“Do ponto de vista de cidadã, acho que é melhor não termos militares no poder”, disse Maud em resposta à pergunta de um integrante da plateia que se identificou apenas como Sérgio e disse ser “militar da reserva”. Após enaltecer feitos do regime militar, especialmente no campo econômico, ele perguntou qual a razão do atual “revanchismo”.

“Estamos todos (os historiadores) convencidos que temos que olhar para trás para construir o futuro”, acrescentando não se tratar de revanchismo. “É para estabelecer fatos. O resto, a vida política vai resolver”, disse, afirmando estar convencida “como historiadora e como cidadã”.

O livro de Maud traça uma linha diferente sobre o período de 1961, desde a gestação do regime militar, até 1978, já no clima da distensão “lenta e gradual do presidente Ernesto Geisel (1974-1979). Ancorada em entrevistas com personagens e em documentos — basicamente do antigo Serviço Nacional de Informação (SNI) e dos Departamentos de Ordem Política e Social (Dops) —, ela demonstra que a ditadura não foi apenas “um regime de generais”, como ficou historicamente marcado.

O período, diz, teve participação ativa de oficiais de várias patentes no jogo político dos quartéis. Segundo ela, a chamada “linha dura” do regime, na verdade foram duas. A primeira, formada por coronéis que vinham juntos desde a academia, forçou a assunção do general Artur da Costa e Silva à Presidência da República (1967-1969).

Já a repressão à resistência armada teria aparado as arestas, mas a luta interna retornaria com toda força, pelas mãos de novos atores, de sargentos a coronéis, no combate à distensão do presidente Geisel. Naquele momento, a primeira linha dura já se bandeava para a oposição ao regime.

Com informações do Valor Econômico