CAFÉ DE CUÍCA

 

BY: ACAS
No ano de 2007 foi anunciada a existência de um café para lá de especial em um filme produzido em Hollywood pleno de sofisticação e riqueza, onde um dos protagonistas, Jack Nicholson, dentre outras excentricidades, adorava tomar um café provindo da Sumatra, na Indonésia e que antes da torrefação, teria sido comido por um pequeno animal mamífero e natural daquelas terras, o “civeta” e que depois de defecado pelo animal era então recolhido e processado. Tal café tinha qualidades únicas e valia todo o dinheiro possível para comprá-lo e saboreá-lo. Era o “Kopi Luwac Coffee”, o café mais raro e caro do mundo. Este personagem tinha até uma cafeteira especial, na qual só era feito esse café especialíssimo. O outro personagem e protagonista, vivido pelo Morgam Freeman, era ao contrário, um homem de hábitos simples e vida modesta. O mote do filme é sobre a avaliação de toda uma vida e o comportamento humano, sob a ótica de duas pessoas diametralmente diferentes. O filme, que foi intitulado no Brasil de “Antes de Partir”, cujo título em Inglês é “The Bucket List”, mostrava este comportamento aparentemente antagônico entre os dois astros de cinema.  Neste filme, foi mencionado pela primeira vez este tipo de café e o processo, no mínimo curioso; de parte de seu processo preparo ter incorporado a “maturação no estômago de um animal”. Há de se observar que tal “café especial” já era produzido pelo menos há uns quatro anos, antes do filme.

Em agosto de 2008 começou-se a comercializar o café de jacu, que é a versão brasileira do café mais caro do mundo – o Kopi Luwak (como já dito acima, o Kopi Luwak é o café mais caro do mundo e o animal envolvido é um tipo de gato -ou gambá- o civeta). O café que ele come acaba saindo no estrume.
Portanto na Indonésia, há um gambá (civeta), “preparando o café”. No Brasil, uma ave (jacu), fazendo a mesma coisa!
Passaram-se mais quatro anos, estávamos em 2012; um novo tipo de café começa a ser processado exatamente na mesma fazenda onde o café de jacu é produzido: trata-se do “café de cuíca”.
-É verdade que o raio não costuma cair no mesmo lugar, duas vezes seguidas? -Se nos ativermos aos fatos relatados abaixo, nos parece que sim.

 

Município de Pedra Azul, distante 100 km da capital Vitória, estado do Espírito Santo; fazenda Camocim: eram 120 mil pés de café. A colheita do café ocorre, normalmente entre os meses de abril e setembro. Já há um bom tempo, o senhor Rogério Lemke, administrador da fazenda, andava intrigado com o fato de, todos os dias, encontravam milhares de grãos de café, sem as cascas e ainda gosmentos, amontoados sob os pés de café. E isso acontecia do dia para a noite. O administrador observou também que isso só ocorria nas árvores dos cafeeiros cujos grãos estavam maduros; não acontecia o evento nos cafeeiros com grãos ainda verdes, nem tampouco para aqueles com grãos secos. Outra constatação: mesmo nos cafeeiros com grãos maduros, seja lá o que fosse que causava aquela “comilança”, não comia os grãos, mesmo maduros, porém com manchas ou imperfeições; segundo o senhor Evair de Melo, presidente da Incaper (Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural), que ajudou a desenvolver os cafés de jacu e cuíca na fazenda, seja o que fosse que causava aquilo, era um perfeccionista, pois só se saciava dos melhores grãos. Portanto, algum animal, naquela região, se preocupava em chupar os frutos maduros e adocicados do café, causando assim um espanto e possibilidade de prejuízos em curto prazo.
O administrador tomou providências, fazendo sentinelas noturnas percorrerem os eitos de café, até que foram descobertos os causadores daquele mistério: eram “cuícas”; pequenos marsupiais, mamíferos e silvestres, que guardam certa semelhança com ratos e furões, portadores de uma cauda longa e sem pelos. Os animaizinhos se penduravam nos galhos mais baixos dos cafeeiros, à noite, para se alimentarem da casca, da polpa e do mel do café maduro. Escolhiam sempre os frutos mais sadios, numa perfeita “colheita seletiva”. Em seguida, os cuícas dispensavam esses grão, ainda com algum resquício do mel sobre a sub-casca da semente, deixando-os lá no chão, onde eram encontrados. Para evitar o prejuízo, o dono da fazenda, Henrique Sloper, resolveu recolher tais sementes “cuspidas” pelos cuícas, iniciando-se o mesmo processo que o mesmo senhor fez com o caso do “café de Jacu”; a grande diferença era que o café de jacu era engolido pela ave e depois saía na defecção, portanto passava por um processo químico natural antes de ser defecado; em quanto que para o café do cuíca, eles não eram ingeridos, mas sim cuspidos.

A cuíca, o “bicho de bom gosto”


A partir daí, o senhor Sloper decidiu fazer testes de secagem e torra das sementes, tal como já havia feito para o café de jacu, para saber exatamente, na xícara, o quê se poderia esperar de tal tipo de café.


QUANTO CUSTA O QUILO DO CAFÉ?
CUÍCA – R$ 900
Os grãos cuspidos pelo animal são recolhidos manualmente do chão, e secos em terreiro suspenso.
JACU – R$ 450
Os frutos maduros comidos pela ave são liberados nas fezes, que não têm cheiro, e limpos manualmente.
CAFÉ ESPECIAL – R$ 60
São cafés de qualidade superior à média, feitos somente de grãos arábicas, com doçura e acidez equilibradas.
PREÇOS PARA O CONSU MIDOR
-O civeta (Kopi Luwac) consome apenas 25 sementes por dia e a produção anual não ultrapassa os 230 quilos. O processo digestivo é longo.
-O jacu, consome cinco a seis vezes mais que o civeta. O processo digestivo é inferior ao civeta.
-O cuíca não ingere o grão do café, apenas comem a casca e a polpa adocicada. Como muito, se considerarmos seu tamanho.

TÍMIDAS E CRITERIOSAS

  
Os cuícas são animais ariscos. Eles têm hábitos noturnos, portanto é quase impossível vê-los à luz do dia, quando permanecem escondidos.
O fato de a fazenda Pedra Azul ser circundada por matas nativas e parques nacionais, torna o habitat ideal para animais de tipos diversos, tais como o jacu e o cuíca. A fazenda se beneficia do fato ainda mais por que as pragas que sempre atacam as lavouras de café, o fazem por não terem onde se alimentar, função que as matas no entorno assumem. Por se tratar de uma propriedade de produção orgânica (não usam inseticidas e tais), toda uma extensa variedade de flora e fauna se alimenta à vontade sem correr riscos. A colheita dos grãos cuspidos pelos cuícas é ainda mais trabalhosa do que aqueles defecados pelos jacus; pois para esses é necessário pegar grão por grão, enquanto para aqueles são colhidos como uma fieira, conjuntos de duas dúzias ou mais por defecção. Para a colheita das fezes do jacu, são utilizados espetos especiais, enquanto que para o café dos cuícas, são apanhados manualmente pelos trabalhadores da fazenda que têm que se agacharem e pegar grão por grão, acomodando-os em sacolas a tiracolo, as mesmas usadas para coletar o café de jacu. Um dos cuidados para coletarem os grão do café dos cuícas é que a coleta deve ser feitas diariamente, sob risco das sementes serem fermentadas no chão. Então, os grãos colhidos são transportados para secar em um terreiro suspenso, protegido por estufa, onde a temperatura e a umidade são controladas. Após a secagem, os grãos passam por uma limpeza e estocados, descansando até a torragem. A fazenda Camocim fez testes por mais de um ano, para chegar ao melhor grau de torragem e ao tamanho do grão moído, até chegar á xícara dos apreciadores; ainda que muito caro.
O JACU PIONEIRO

O cuíca não é o primeiro animal brasileiro a “participar” no processo de cafés especiais no Brasil. Antes dele, o jacu (ave arisca) participou do processo: o café de jacu foi vendido pela primeira vez em 2007, também pela fazenda Camocim. A produção do café de jacu é da ordem de 950 kg por ano e é vendido no mercado pela bagatela de R$ 450 o quilo.
A previsão do café de cuíca é uma produção bem menor, da ordem de 100 quilos/ano, porém ao preço de R$ 900 o quilo.
É interessante fazer observar aos leitores, que os cafés especiais da fazenda Camocim foram inspirados pelo Sr. Sloper enquanto assistia um filme, conforme mencionado no prólogo. O kopi luwac, famoso café da Indonésia, cujos grãos são retirados das fezes da civeta (animal semelhante ao gambá) custam US$ 493, o quilo (cerca de R$ 1.000).

  Segundo um pesquisador de nome Ensei Neto, tem-se discutido muito sobre o surgimento de cafés submetidos a “tratamento especial” de animais. Depois do Kopi Luwac Coffee, da Indonésia, surgiu o Café de Jacu (Jacu Bird Coffee), do Brasil. Após, surgiu o Bat Coffee (produzido por um morcego mexicano) e do cuspidor Cuíca Spat Coffee, do Brasil e mote deste artigo. O pesquisador fala ainda sobre o Elephant Dung Coffee, da Tailândia, que diferente dos outros animais defecadores ou cuspidores de cafés especiais, onde os elefantes são tratados com cafés maduros. Do ponto de vista de quantidade possível de produção, creio que não exista animal no mundo para produzir mais que um elefante. Só o teste do café na xícara poderá mostrar qual o melhor. Seriam esses cafés de qualidade tão excepcional para justificar o preço?

Isabela Raposeiras


Deixando de lado os protocolos rígidos de degustações profissionais; já que a ideia era somente colher primeiras impressões de especialistas, foi realizada a primeira amostra do café de cuíca, que não circulou comercialmente. O jornal paulistano Folha de São Paulo convidou três experts para provar a bebida às cegas. Isabela Raposeiras, do Coffee Lab; Marco Suplicy, do Suplicy Café; e Cecília Sanada, do Octávio Café. Eles aceitaram o desafio e fizeram provas informais com uma pequena quantidade de grãos.

Marco Suplicy


Fazendo o balanço dessa primeira leva, surgiram três pontos em comum: baixa acidez, doçura acentuada e torragem um pouco exagerada.
Foram as mesmas conclusões a que o norte-americano Andrew Barnett e o holandês Willem Boot (ambos provadores profissionais), tinham chegado à última semana, em prova acompanhada pela Folha de São Paulo na fazenda produtora.

Cecília Sanada


EXCESSO DE TORRA

-Para Isabela Raposeiras o excesso de torra inibiu o potencial do café. “Esse café cru deve ser de qualidade, tem doçura elevada e é limpo. Mas, a acidez é muito baixa [especialistas se referem à acidez como sinônimo de qualidade].”
-Marco Suplicy achou a bebida “agradável”, com “bom corpo” e “nota de mato”. “Mas sinto uma aspereza, não é uma bebida nem mole, nem estritamente mole [as melhores categorias da bebida].”
-Já Cecília Sanada diz que o café perde em aroma. “Não é acima da média”. Por outro lado, chama a atenção para a doçura acentuada e para um “amargor que não chega a atrapalhar a bebida”.
Segundo o fazendeiro Henrique Sloper, os lotes que chegarão ao passarão por ajustes de torra, a fim de fique “mais delicado”.

Raio-x do Cuíca

Cuíca (mote deste texto)


Segundo o biólogo Luiz Felipe (blog Biodiálogo), o Brasil possui cerca de 50 espécies de marsupiais, com as mais variadas formas e hábitos. No entanto, a maioria das pessoas crê que os marsupiais existem apenas na Austrália (cangurus, por exemplo), ignorando totalmente a grande diversidade brasileira desses animais. Os marsupiais são mamíferos que, em geral, possuem uma bolsa marsupial, onde protegem e amamentam seus filhotes durante o final de gestação. Convém notar que nem todos os marsupiais possuem de fato o marsúpio, talvez por isso, algumas pessoas os confundam com roedores.
Como é: é um mamífero marsupial – como o canguru, as fêmeas são dotadas de uma bolsa chamada marsúpio, que contém as tetas e serve para carregar os filhotes.
Onde vive: é encontrado na região que vai do México à Argentina.
Quanto mede: quando adulta, seu corpo pode alcançar cerca de 30 cm de comprimento, e sua cauda pode ter outros 30 cm.
Que cor tem: seu dorso é cinza-escuro, e as partes inferiores, amarelo-clara e manchas da mesma cor acima dos olhos.
O que come: animal onívoro que se alimenta de matéria vegetal e animal – metade da sua alimentação é de frutas. Tem entre 40 e 50 dentes.
Curiosidade: também se alimenta de serpentes; mesmo as mais venenosas. São imunes ao veneno dessas.

 

 

 

  Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 7 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de três outros publicados em antologias junto a outros escritores.

 

 

Bibliografia
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LUIZA FECAROTTA-Folha de São Paulo: publicada no caderno especial “O Melhor da Folha em 10 Textos”, com o título de “Cuspe de Ouro”, página 55 a 61 da Folha de São Paulo de 25 de agosto de 2012, com uma ilustração de Leopoldo Costa; aqui reproduzida. Também da mesma autora a matéria “Grãos cuspidos por mamífero em fazenda no ES renderão café de R$ 900 o quilo”, publicada na Folha de São Paulo, de 22 de agosto de 2012.