Há mais de vinte e cinco anos iniciei minha pesquisa por bairros de São Paulo. Obviamente, a pesquisa empreendida para fins de produção artística, por sua natureza, tem caráter e métodos próprios, que muitas vezes não coincidem com a pesquisa científica.
Coletei muita história oral, algumas memorialísticas, outras, fruto da invenção de quem contou. Mas coletei também imagens, ambientações, luzes, fotos de ruínas, de rostos, de ruas vazias, de tardes de chuvisco.

Em 1996 publiquei um resultado parcial dessa pesquisa a um tempo documental e sentimental: o volume de contos O Atirador de facas. Nesse volume de contos, os narradores mergulham de ponta cabeça em histórias da existência transtornada da metrópole. Há contos humorísticos, sardônicos, irônicos, dramáticos, poéticos que reviram as entranhas de personagens cujas vidas simbólicas foram inventadas a partir de fragmentos de conversas ouvidas na rua, em ônibus, em trens do metrô, à saída de um café. O conto mais emblemático desse resultado parcial é “Trabalhar em São Paulo”, que já rendeu roteiro de filme de curta metragem.

Um segundo resultado parcial dessa pesquisa do paulistano de todas as naturalidades e nacionalidades é o volume de poemas Dois poetas paulistanos, de 2002. Nesse livro, poemas gráficos projetam, na forma de sombra, poemas líricos sobre calçadas do centro da cidade, ou, na forma de respingos, véu de chuva sobre telhados.

Foram dois passos importantes para um salto mais arriscado, preparado longamente, com paciência, e que, tão logo foi publicado Dois poetas paulistanos, foi dado: a produção de um ciclo de romances sobre a cidade, suas tragédias e sonhos, a partir da visão das regiões e bairros.

Já em 2007 planejei esse ciclo e iniciei a redação de Era uma vez no meu bairro – ZONA NORTE, que escrevi durante o ano de 2008 e publiquei em 2009, em formato de bolso. O livro fui muitíssimo bem recebido pelos leitores e sua edição inicial de dois mil exemplares esgotou-se rapidamente.
Apresentado o projeto do ciclo aalgumas editoras, a Nova Alexandria demonstrou entusiasmo em publicar todos os demais romances do ciclo, porém, em novo formato, mais nobre, mais vistoso, e com capas que são verdadeiras obras de arte, inclusive o ZONA NORTE.

Assim, minha pesquisa histórico-sentimental sobre São Paulo e sua gente, a partir dos olhos, da lógica e dos sentimentos dos moradores de bairros e regiões da capital, encontrou nessa editora, que tem em seu catálogo clássicos da literatura universal e brasileira em edições primorosas, o impulso necessário para tão largo e ousado salto.

Disso resulta que os volumes ZONA NORTE e ZONA LESTE serão lançados em outubro deste ano de 2011, e o cronograma de produção e publicação dos demais volumes ZONA SUL, ZONA OESTE e CENTRO já foi estabelecido: um lançamento a cada seis meses, até o último, em maio de 2013 – respectivamente maio e outubro de 2012 e maio de 2013.

  Durante a redação dos dois primeiros romances, Zona Norte e Zona Leste, uma intuição que moveu a pesquisa se confirmou: se tivermos olhos para ver e coração para sentir, as histórias mais espetaculares podem ser captadas e registradas a partir uma simples volta no bairro em que se mora ou trabalha.

Nele, há o egoísta e sua solidão, o menino afundado no tédio de uma tarde de ruas vazias, sem ninguém para brincar, a senhora transida de dor a ir receber o auxílio funeral de seu filho, o adolescente, mochila às costas, curtindo seu sonho de jogador de futebol…

Evidente, há ruas mal varridas, outras descuidadas, e aquelas sempre congestionadas, nas quais os ocupantes dos carros de passeio e dos ônibus superlotados compartilham a sensação de impotência em face de um tempo de vida precioso jogado fora.

Também há os conflitos, os dramas, as tragédias, que se observadas pelo ângulo da ficção não são menos dolorosas, ao menos são compartilháveis – e, concordando com o poeta, é sempre melhor sofrer cantando do que sofrer calado.

Porém, tão certo quanto por detrás das paredes mal pintadas e sem reboco borbulha a vida, há também aí sonhos e esperanças, que resistem a tudo: ao córrego infecto a pôr tudo a perder na primeira enchente, ao político oportunista, à polícia violenta, aos bandidos sanguinários.

Ao escrever esses romances, minha intuição se confirmou: as histórias incríveis, lindas ou perturbadoras, moram perto de nós. Por fala nisso, já conversou com o porteiro do seu prédio hoje?

Josafá Fernandez Gonçalvez
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