A casa era pequena, mas só fisicamente. A cada momento chegavam mais pessoas e, todos cabiam confortavelmente. Inexplicável. Era noite de música por lá e, mesmo sabendo disso, a festa me surpreendeu. Não esperava toda aquela movimentação. A casa é um bar alternativo, localizado em um dos bairros mais boêmios de Salvador: o Rio Vermelho. O nome? Casa da Mãe.

      Nada mais coerente do que Casa da Mãe para ser o nome daquele lugar tão pequeno, mas que, sem esforço algum, conseguia acolher todos que chegavam. Como coração de mãe. Sempre cabe mais um.

      Dividida em ambientes, a Casa da Mãe aposta na arquitetura e decoração simples. Sem luxo algum. Era noite de sarau. Artistas baianos, a maioria esquecida pela grande mídia, se encontravam ali, e, sem ensaio, cantavam e tocavam músicas aleatórias. Aleatórias, será? Tinha muita emoção nas vozes. Dor. Solidão. Tristeza. Beleza. Isso tudo aparecia no momento em que cantavam Dalva de Oliveira. "Ai ioiô, eu nasci pra sofrer, fui oiá pra você, meus zoinho fechou…" Esses versos, sentimentos de Dalva, ao interpretá-los, ali tornaram sentimentos deles. Dos que cantavam.

      Estava ali para ver meu entrevistado de meses atrás, tocar guitarra baiana. Fui para reviver o que tinha escrito sobre ele, no seu perfil. Eu estava ali sentada numa cadeira estreita de madeira, rodeada por amigos e por várias outras pessoas desconhecidas. Dignas de admiração pela criatividade e pela verdade com que fazem a sua arte.

      No ápice do sarau, quando todos cantavam juntos, me senti em outra época. A liberdade era tanta que, flashes acendiam e apagavam em mim. Cenas que não vivi mas me incluíam perfeitamente. O Morro da Mangueira. O bar Toalha da Saudade. Os cabarés. Os saraus de Chiquinha Gonzaga. As festas dos negros, onde tinha umbigada, batuques e cachaça.

      A chuva caia. O carro estava longe. Não será perigosa a volta? O estacionamento já está vazio? Precisava começar a pensar em ir embora. Estava tarde. Preocupação. Ele já está um pouco bêbado. Grande companheiro! Não posso mais ficar…

      O palquinho estava cheio ainda. Muito movimento. Mas eu tinha que ir. Eu dirigia naquela noite. Levantei, paguei a conta. Aliás, não paguei porque não consumi nada. Fomos embora. Mas um pouco de mim ficou. Está lá até agora

Flavia Vasconcelos, Jornalista, atua na área de jornalismo cultural e literário. Presta assessoria em eventos culturais em Salvador (exposições) e repórter de cultura no site À Queima Roupa.