Pobre Carminha. Ela nunca perdia a hora. Batia seu ponto todos os dias de manhã sempre no mesmo horário, nem mais nem menos. Moça religiosa, de família, séria, tímida e virgem aos 29 anos. Apesar de linda e de já ter deixado muitos rapazes desorientados com sua beleza, nunca se deixou levar pelas conversas moles, pelos presentes e pelas promessas. Dizia que um dia encontraria o homem certo e com ele se casaria e teria filhos. E tinha mais, o homem certo teria que ser bonito, rico e inteligente, um sonho impossível. Vestia-se sempre dos pés à cabeça, mas, por mais que tentasse, não conseguia esconder suas curvas e formas que alucinavam.

      Ronildo, safado, trambiqueiro, nunca tinha o que fazer. Para ele não existiam horários, serviços, cartão ponto, e sim, ponto para encontrar seus amigos e tramar um golpe qualquer. Num dia destes, quando chegava à Paulista para encontrar alguns parceiros de jogo, Ronildo viu descer do ônibus a Carminha, foi tesão a primeira vista. Acompanhou o andar da menina até ela descer a Brigadeiro, conseguiu enxergar em baixo de toda aquela roupa a mulher mais bela que ele já havia visto. Deste dia em diante Ronildo passou a ter horário e local para “barter-ponto”. Não que este trambiqueiro de carteirinha tenha tomado jeito, queria sim era dar um jeito de conquistar a Carminha. Passou a se produzir muito mais do que já o fazia. Aparecia de terno, calça sempre bem alinhada, relógio brilhando no pulso, frutos de negociatas realizadas por sua mente criativa.

      Um dia, quando Carminha descia do ônibus, um moleque tentou roubá-la. Não fosse estar Ronildo próximo e prontamente lhe restituir sua bolsa, o garoto teria levado tudo e deixado a moça completamente desesperada. Talvez tivesse sido melhor. Mas, em vez de desesperada, Carminha ficou mesmo foi encantada. Encantada com a beleza, com o luxo das roupas, com a delicadeza e com os olhos azuis de seu herói.

      Passar a encontrá-la todos os dias foi fácil, se tornar seu amigo também, mas se enganou Ronildo quando quis dar um beijo na macia face da Carminha. Ela se afastou e deixou tudo às claras para o pretendente. Só começaria qualquer coisa se tivesse este início como fim, o casamento e só dormiria com ele se tivesse passado antes pelos olhos do padre e a troca de alianças. Danou-se! Pensou o rapaz. Mas quem disse que eu quero dormir? Queria sim era ficar muito acordado com esta dona maravilhosa. Continuou com seus botões o Ronildo. 

      Mas não se deixou abater, nunca fugiu de um golpe, por que fugiria agora. Além do mais este golpe era para conquistar algo muito mais precioso que dinheiro, jóias ou carros, e nem estou falando em amor. Principalmente agora que descobriu sobre a virgindade da moça, o que fez subir o preço da conquista.

      O rapaz recuou, passou a medir seus passos, foi conhecendo melhor sua presa e descobriu o que queria a Carminha, além do amor. Um dia, quando ela saia de casa para pegar seu ônibus, Ronildo a surpreendeu com um belo carro novo. Ofereceu-se para levá-la ao trabalho e foi contando como não precisava trabalhar porque era rico, como havia comprado este carro (o carro era de um amigo, mas isto ele não disse) e tantas e tantas outras coisas que lhe pertenciam. Depois deste dia levava a moça para restaurantes, comprava-lhe jóias, foi conhecer os pais, levou-os à casa de um outro trambiqueiro mais afortunado no Morumbi, dizendo que era sua. Tudo fazia para agradar e convencer a Carminha a entregar-se a ele, tanto fez que já se imaginava casado e por vezes pensava realmente estar apaixonado pela moça. No decorrer de seis meses, marcou o casamento.

      Seus golpes continuavam intensos enquanto prosseguia com o plano de levar a Carminha para a cama. Com bons golpes Ronildo faturou mais e resolveu mesmo caprichar na cerimônia. Contratou uma empresa para a produção e colocou sua noiva em contato direto com um dos funcionários da agência encarregado de organizar tudo.

      O casamento foi lindo, flores, bolo, doces, música, buquê, vestido de noiva, padrinhos e tudo mais. No meio da festa um discurso e a saída dos noivos para a lua-de-mel. Ronildo havia alugado um quarto em um destes hotéis da Paulista, próximo ao ponto de onde saltava todos os dias a Carminha. Foi uma noite maravilhosa, a menina se entregou ao seu rico amor, Ronildo se lambuzou entre os braços daquela mulher linda e sensual entre quatro paredes. Dormiram. De manhã, no espelho do banheiro escrito de batom lia-se o seguinte recado: Consegui a noite mais maravilhosa de minha vida. Você realmente era tudo que eu esperava, mas não posso continuar lhe enganando e me enganando, pois apesar de ter amado nosso relacionamento, não é realmente de você que eu gosto. Apaixonei-me por outra pessoa enquanto organizávamos nosso casamento. Com carinho e sem ressentimentos, Caminha.