A safra dos cajus era anunciada pelos meninos que vendiam os frutos de porta em porta. Eles vinham com os galões atravessados sobre os ombros. De cada lado pendiam os leques dourados e vermelhos dos cajus suspensos pelas castanhas atadas nos fios de agave. Recendiam um perfume doce e um ranço precoce de tanino.

      Ah, os meninos dos cajus! Um dia eles dobravam a esquina da mata e gritavam a chegança da safra:

      – Olha o caju, cajuí doce!..

      O grito dos meninos fazia todo mundo ficar com a boca cheia de cores. O sabor era pressentido pelos ouvidos e confirmado pelos olhos.Um sabor pegajoso aos toque dos frutos macios, pendentes como flores nos galões dos meninos cajueiros.

      Eles vinham do Arraial da Penha, do tabuleiro de Cabedelo, da praia do Bessa. Eles vinham com o vento do mar:

      – Caju…cajuí doce e maduro!…

      E a espuma do grito derramava-se nas ruas distantes do litoral. Só depois o lugar tomou jeito de cidade e abeirou-se da praia, invadindo a orla com loteamentos. As matas que escondiam os duendes dos cajus desapareceram, tragadas pela invasão urbana. Foram-se os cajus mas ficaram as castanhas, atadas por um fio de sisal na saudade.

      Quando os meninos cajueiros pairavam em frente de casa, chamados por voz frondosa, uma roda de crianças formava-se em torno dos arranjos frutais. Os olhos, feitos maturis, vertiam resina gulosa, reprimida no silêncio rançoso. Os meninos cajueiros estancavam o passo, e as rosáceas de cajus fica¬vam balançando sua inércia como se ainda pendessem dos galhos carregados.

      As pencas amarelas e vermelhas lembravam as maçarocas multicores dos balões da festa. Presos pelos fios grisalhos, os cajus pendiam para baixo e os balões tendiam para cima: os cajus pingavam seu mel na goela da gravidade, e os balões tentavam alcançar o céu da boca azul que engolia a tarde.

      Os meninos cajueiros tinham o encanto de pequenos bruxos aos olhos das crianças urbanas. Os meninos da safra sabiam os segredos da mata e das frutas. Eram aconluiados com o Pererê e com o Caapora, conheciam os caminhos das léguas saborosas que escondiam os cajueiros. Só aqueles meninos de grito e pés descalços partilhavam as veredas cajueiras com os passarinhos que beliscavam os frutos maduros.

      Os pequenos vendedores de cajus tinham uma quicé para cortar o fio transparente de sisal que amarrava o fruto. Alguns ainda estavam verdes, de vez; outros, tostados e rachados, eram os mais doces. Chamava-se, a esses últimos e doces, de marias-assadas. Eram perebentos feitos os meninos cajueiros; eram os mais doces.

      Que pressa saborosa em morder os frutos pendentes do grito dos meninos! Mas, antes, havia que lavá-los. A limpeza exigida pelos adultos tirava um pouco do sabor da fruta untada de mel e poeira. Havia, ainda, o travo de outras recomendações:

      – "Cuidado para a castanha não ferir a boca, cuidado para não fazer uma pipoca nos lábios, cuidado para não botar nódoa na roupa, cuidado…"

      As castanhas eram postas ao sol para secar, e, depois, entesouradas com usura até o dia de assar. Era um dia muito especial o dia de assar castanhas. O rito grave incluía um pequeno braseiro, uma lata rasa, toda furada feito uma peneira, e uma vara para mexer as castanhas, de longe. Elas pipocavam um óleo quente e cáustico que marcava a pele por muito tempo, até a outra safra, quando os meninos voltassem com seu doce grito:

      – Olha o caju, cajuí, caju doce e madurinho!…

      Um dia, os meninos cajueiros dobraram a esquina da mata e não voltaram mais. Fugiram com Pererê e Caapora para safras longínquas.