Tu me queres branca,
Me queres de espumas,
Me queres de nácar.
Que eu seja açucena
Sobre todas casta.
De perfume tênue.
Corola cerrada.

Nem raio de lua
Filtrado me haja,
Nem a margarida
Minha irmã se diga;
Tu me queres branca,
Tu me queres nívea,
Tu me queres casta.

Tu, que em mão tiveste
Já todas as taças,
E de méis e frutos
Os lábios morados;
Tu, que no banquete,
Coberto de pâmpanos,
As carnes deixaste,
Festejando a Baco;
Tu que no negrume
Dos jardins do Engano,
Vestido de rubro
Correste ao Estrago;

Tu, que o esqueleto
Conservas intato
Eu não sei ainda
Por que altos milagres,
Me pretendes branca
(Que Deus te perdoe),
Me pretendes casta
(Que Deus te perdoe),
Me pretendes alva.

Foge para os bosques;
Vai para a montanha;
Limpa bem a boca,
Mora nas cabanas;
Com as mãos apalpa
A terra molhada;
Alimenta o corpo
com raiz amarga;
Bebe a água das rochas,
Dorme sobre a escarcha;
Renova tecidos
Com salitre e água;
Conversa com os pássaros,
Desperta com a alva.
E enfim, quando as carnes
Te forem tornadas,
E quando hajas posto
Nelas a tua alma
Que pelas alcovas
Ficou enredada,
Então, ó bom homem,
Pretende-me branca,
Pretende-me nívea,
Pretende-me casta.

 

Grandes Vozes Líricas Hispano-Americanas
Seleção e Tradução: Aurélio Buarque de Holanda Ferreira
Editora Nova Fronteira – edição 1990