Encobre, ó Zeus!

o céu com suas nuvens.

E como o jovem

que gosta de colher

cardos no campo, em teu poder conserva

o robusto carvalho e o alto cume

da espaçosa montanha.

Mas consente que eu use

essa terra que é minha,

êsse abrigo que eu fiz,

e esta forja que quando faço arder,

tu, no Olimpo, me invejas.

 

Nada mais pobre eu conheci, ó deuses

do que vós próprios.

Apenas vos nutris

de sacrifícios

e de preces,

dedicados a vossa majestade.

Morreríeis de fome se não fossem

as crianças, os loucos, os mendigos

que vivem de ilusões.

 

Quando eu era menino

e nada conhecia,

ao sol se erguiam meus sentidos olhos

como se lá houvessem

ouvidos que escutassem meus lamentos,

e um coração tivesse igual ao meu

capaz de consolar a minha angústia.

 

E quem contra a insolência

da turba dos titãs me auxiliou?

Quem me salvou da morte

e me impediu a escravidão?

Não foste tu meu coração somente,

Ardendo numa chama inextinguível?

Jovem e ingênuo eu tudo agradecia

Àquele que no céu

dorme na ociosidade.

 

Como prestar-te honra? Mas por quê?

Deste jamais alívio

aos oprimidos?

Já enxugaste as lágrimas

dos que são infelizes?

Formei um homem,

mas um homem afinal que só se curva

perante o Tempo e o Fado

que são tão meus senhores como teus.

 

Pensaste tu talvez

que poderia desprezar a vida

e ao deserto fugir

porque nem todos

os meus sonhos floriram?

 

Aqui estou.

Homens faço segundo a minha imagem,

homens que serão logo iguais a mim.

Divertem-se e padecem,

gozam e choram,

mas não se renderão aos poderosos

como também eu nunca me rendi!

 

Poemas da Liberdade
Uma antologia poética de Dante a Brecht
Edmundo Moniz
Civilização Brasileira
1967