Sempre é muito melhor a razão do mais forte.

É o que vamos mostrar ao narrarmos a sorte

       do cordeiro que um dia

       sua sêde matava

       num rio de água pura.

Eis que um lobo em jejum, sedento de aventura,

que quando tinha fome andava ali na margem,

aproxima-se e diz: — Oh que grande ousadia!

      Que cordeiro atrevido!

Não viste que sujaste esta água que eu bebia?

    Serás hoje punido

    por tal temeridade!

— Escutai-me, senhor, que vossa majestade

     não tenhais esta mágoa.

     Eu me pus do riacho

     vinte passos abaixo,

não podendo sujar uma só gôta d’água

      Mas o lôbo malvado

retruca sem ouvir, pela raiva movido:

        — Sujaste a água, sim.

E soube além do mais, e o castigo reclamo,

        que no ano passado

        falaste mal de mim!

        — Falar mal como assim

        se não era nascido?

Sou bem pequeno e ainda em minha mãe eu mamo.

— Mas se não fôste tu, já sei, foi teu irmão.

                — Não podia ter sido,

eu nunca tive irmão! — Foi certamente então

           alguém de teu rebanho.

           Teu desejo acompanho.

           Conheço teus rancôres.

            Tu não me pouparás,

nem tampouco os teus cães nem jamais teus pastôres.

 Já me disseram isto, e vou vingar-me agora.

            Não quero esperar mais.

Da floresta buscando o íntimo recesso

leva o lôbo o cordeiro e em seguida o devora

            Sem outra forma de processo.

 

Uma Antologia Poética de Dante a Brecht

(Edmundo Moniz – Poemas da Liberdade)