A Boitempo acaba de lançar o aguardado Livro II de O capital, de Marx. A edição é a primeira no mundo a basear-se no conjunto publicado recentemente pela MEGA-2 (Marx-Engels-Gesamtausgabe), amplamente considerada por estudiosos a edição definitiva d’O capital de Marx. Esses documentos, que nunca haviam sido traduzidos para o português, permitiram a reconstrução dos manuscritos em sua totalidade. Além disso, o Livro II recebe o acréscimo de treze textos originais de Marx descartados por Engels em sua edição da obra. A tradução é de Rubens Enderle, que acaba de receber o Prêmio Jabuti de 2014 pela tradução do Livro I d’O capital. Disponível tanto em capa dura, quanto em brochura, a edição conta ainda com um prefácio de Michael Heinrich, discutindo as principais questões envolvendo o Livro II, e uma introdução, elaborada pelos pesquisadores da MEGA-2, contextualizando o que a nova edição ajuda a elucidar. A orelha, que reproduzimos integralmente abaixo, é do sociólogo do trabalho Ricardo Antunes.

O livro chega às livrarias brasileiras junto com Para entender O Capital: Livros II e III, volume final do guia de leitura de David Harvey à obra máxima de Karl Marx.

Leia abaixo, a orelha do livro, assinada por Ricardo Antunes

O Livro II de O capital oferece pistas espetaculares para se compreender e atualizar a teoria do valor-trabalho. Ao contrário do fim do valor, tão alardeado há décadas, o que o mundo produtivo (em sentido amplo, como o define Marx) vem presenciando é a expansão sem limites de novas formas geradoras do valor, ainda que sob a aparência do não-valor.

Como a alquimia do capital não pode se eternizar sem alguma modalidade interativa entre trabalho vivo e trabalho morto, o moinho satânico não descansa. Cria e recria, produz e destrói, cria novos espaços e também desespacializa. Vale qualquer coisa para extrair mais-valor. Com o mundo maquínico-informacional-digital tudo ficou mais fácil para o capital e todos os espaços possíveis são potencialmente convertidos em geradores de mais-valor. E se este nasce na esfera da produção (Livro I), Marx nos recorda que produção é também consumo, distribuição e troca/circulação.

Aqui reside o traço distintivo do Livro II: tratar de modo abrangente o processo de circulação do capital. Como o seu objetivo precípuo é a valorização, reduzir o tempo de circulação do capital torna-se vital. Como o tempo global do capital depende tanto do tempo de produção como do de circulação, diminuir a diferença entre eles é um dos desafios cotidianos da engenharia do capital dos nossos dias. Enquanto a mercadoria produzida, seja ela material ou imaterial, não é vendida, não há realização plena do mais-valor já criado. Desse modo, o tempo de circulação necessário torna-se um limitador do tempo de produção.

Urge, então, reduzi-lo ao mínimo, de modo a encurtar o tempo de rotação total do capital, que é dado pelo tempo de produção mais o de circulação. O que leva Marx a oferecer duas conclusões, colocando a crítica da economia política de seu tempo em um patamar mais elevado: primeiro, quanto mais o tempo de circulação se aproxima de zero, maior é a produtividade do capital e, segundo, maior é também a geração de mais-valor. O que significa dizer: em situações particulares, como na indústria de transportes e de comunicações, embora não ocorra aumento da quantidade material produzida, há geração de mais-valor.

Como se dá tal mutação? Esse é o maior motivo do convite à leitura deste Livro II de O capital, peça absolutamente imprescindível para uma compreensão plena do Livro I e que será enfeixado pelo Livro III, o qual trata do processo global de produção do capital (e que será em breve publicado pela Boitempo).

Torna-se, assim, este Livro II ponto de partida necessário para uma melhor intelecção do papel das tecnologias de informação (TIC), dos novos serviços quase todos mercadorizados e da crescente importância do trabalho e da produção imaterial no capitalismo de nosso tempo.

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O material manuscrito legado por Marx para o Livro II demonstra com que inigualável rigor, com que severa autocrítica ele procurava conduzir à extrema perfeição suas grandes descobertas econômicas antes de publicá-las; uma autocrítica que raramente lhe permitia adaptar a exposição, em seu conteúdo e forma, a seu campo de visão constantemente ampliado por meio de novos estudos. – Friedrich Engels

O Livro II é a parte mais subestimada de O capital. Na realidade, esse volume tem uma enorme importância para a compreensão da crítica econômica marxiana, e por duas razões totalmente distintas: a primeira diz respeito à matéria nele tratada; a segunda, à posição que estes manuscritos ocupam no processo de formação da obra capital de Karl Marx. – Michael Heinrich

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Ricardo Antunes é professor titular de sociologia do trabalho na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).